quarta-feira, maio 21, 2014

Solteirão . Não tive tempo para casar
OS VELHOS

MARINHEIROS

(Jorge Amado)




Episódio Nº 85









Houve um breve silêncio, Vasco sentindo ter sido indiscreto, talvez mal-educado, ela pensativa e melancólica.

- E o senhor? - terminou por perguntar - Sua família vive na Baía?

- Não tenho família.

- Viúvo?

- Solteirão. Não tive tempo para casar. Nessa vida de mar, sempre embarcado.

- Não pensou nunca em casar-se? Jamais?

O comandante segurou o cachimbo na mão, perdeu-se também o seu olhar no céu infinito:

- Não tive tempo...

- Só por isso? Nada mais? - e a dama deixou escapar outro suspiro como a deixar claro que ela tivera motivo mais sério e doloroso.

Suspirou igualmente o comandante:

- Recordar, para quê?

- O senhor também? - e ela suspirou de novo. - Esse mundo é triste.

- Triste para quem é sozinho - disse ele.

Crescia o grupo em torno às actrizes, em gargalhadas e pilhérias. Enchia-se o convés, as cadeiras agora todas ocupadas. Um casal de noivos passeava de mãos dadas. Ladrou-lhes o pequinês. A dama afirmou:

- Não acredito nos homens. São todos uns hipócritas.

 Era professora de piano e chamava-se Clotilde.



Do comandante a comandar, da dama a suspirar, da dançarina a dançar, no navio a navegar em mar de rosas e moças.



Estiravam-se as prostitutas na coberta dos porões, a fazer as unhas, a ler a Cena Muda e a Cinearte, a pentear os cabelos, estendidas ao sol como lagartas. Estudantes desciam da primeira, rondavam as mulheres, terminavam puxando conversa, confraternizando. Um deles tocava violão, acompanhando uma rapariga em popular marchinha da época, referente às eleições:

“Ó seu Tónico,
Do torrão do leite grosso,
Ponha a cerca no caminho
Que o paulista é um colosso,
Pega a garrucha,
Finca o pé firme na estrada,
Que com esse puxa-puxa
Faz-se do leite coalhada”.


O comandante passeava o ar do alto da ponte, sobre a segunda classe, devia descer até lá, palestrar com aquela gente, eram seus passageiros também.

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