Quando a morte do avô o libertara, ia pelos 30 anos |
OS VELHOS
MARINHEIROS
(Jorge Amado)
Episódio Nº 94
Saiu arrenegando o competente
profissional: por que diabo foram arranjar, para substituir o comandante morto,
logo um velho marinheiro de longo curso, um finório conhecedor de toda a
malandragem? Encolheu os ombros, conformado. Faria a praça do Recife, existiam
uns usineiros cheios de açúcar e doidos por poker
Lamentava apenas o sofá de porcelana com
os namorados, tão bonito, desejava levá-lo de presente a Daniela, sua esposa.
Porque era bem casado, tinha quatro filhos, dois meninos, duas meninas, umas
gracinhas todos, adorava a família, não existia melhor esposo e pai.
O comandante suspirou, tomou da peça de
biscuit, saiu para o vento da noite.
Do comandante imerso em
profundo devaneio e do que lhe foi dado ver na sombra do barco de salvamento
Estava o comandante imerso em profundo
devaneio, naquela alta madrugada, na coberta do navio. Pousara com cuidado a
peça de biscuit a seu lado, de quando em vez arrancava os olhos das estrelas
como um infinito pasto a alimentar os sonhos, e volvia-os para o casal de
namorados sentado no sofá de porcelana.
Sua vida fora inteira de solidão, uma
longa espera. Nos mares, como nesse instante, a pitar seu cachimbo, sozinho
entre os ventos e as luzes do fogo-fátuo, de porto em porto, a trocar de navios
e mulheres.
Seu lar, estreito beliche. Nenhum dia era o
dia da escala definitiva em cais com família a esperá-lo, a esposa macerada de
saudades, os filhos curiosos dos presentes trazidos de terras exóticas e
longínquas.
Em nenhum porto tivera jamais casa
montada, pousava a cabeça fatigada em travesseiros pagos de prostíbulos,
repousava seu coração ardente no seio de mulheres desconhecidas, era só no
mundo, só com seu navio. Só com suas viagens.
E pode um homem viver assim, para sempre
sozinho? A casa dos Barris não fora jamais um lar, desde a morte do pai e da
mãe, figuras esfumaçadas na memória. Crescera no escritório e no depósito,
entre fardos e títulos de cobrança, entre o xarque e as cartas aos fregueses.
Os namoros de todos os adolescentes, o
olhar a medo, o sorriso tímido, o adeus atirado de longe, o fugaz aperto de
mão, o beijo roubado no escuro de uma porta, nada disso tivera, nem no
escritório, nem no mar onde o grumete olhava de longe as orgulhosas e belas
passageiras.
Quando a morte do avô o libertara, ia
pelos trinta anos, perdera o tempo romântico dos suspiros, dos doces
sofrimentos, das moças em flor.
Sozinho mesmo com os amigos, e quando pôde realmente
ser um deles, foram-se um a um, como partiram as mulheres que se sucediam no
leito dos Barris.
Algumas demoravam mais, Dorothy
deixara-lhe o nome e o coração no braço, eram, porém, como passageiras de uma
viagem em transatlântico a seguir adiante, na esteira sem fim das águas.
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