... são alegres, satisfeitas da vida |
OS VELHOS MARINHEIROS
(Jorge Amado)
Episódio Nº 107
Do tombadilho chegavam vozes de
passageiros discutindo pontos no jogo do golfe de bordo. A recém-casada, para
melhor escutar, descansou a cabeça no ombro do marido.
- Como é isso? - perguntou um dos
estudantes. - Tenho visto muita balzaqui ana
solteira bem aproveitável... Na pensão do Catete onde mora um amigo meu, tem
uma - que peixão!
- Note a diferença, que é evidente, dona
Domingas: as balzaqui anas, casadas e
por vezes com amante...
- Te esconjuro! - disse o reverendo.
- ... são alegres, satisfeitas da vida.
Só começam realmente a sofrer a grande inqui etação
quando os homens já não lhes deitam olhares cobiçosos.
- Deve ser triste... - falou em voz baixa
a mameluca.
- É quando mudam de classe, descem ao círculo
infernal das baqueanas...
- Essa sua teoria não é muito cristã,
Doutor - riu o padre.
- Científica, Reverendo.
- A mulher honesta guarda a eterna
beleza da alma... - declamou o senador.
- Deixem Dr. Morais continuar... - dona
Domingas impunha silêncio à roda, aquele senador era um imbecil.
- Isso é verdade, meu caro senador. Mas,
quando a gente olha para uma mulher, não lhe vê a alma, espia-lhe as pernas... Mas,
prossigo na teoria das baqueanas: as solteironas, desde o momento em que
atravessam a fronteira dos vinte e oito anos e perdem as esperanças de
casamento, formam imediatamente na fila das baqueanas.
É quando, Padre, começam a frequentar as
igrejas, a cuidar dos altares, a se confessar todos os dias. O senhor conhece o
assunto melhor do que eu.
São amargas e ranhetas, implicantes,
más-línguas. Pertencem à categoria das Grandes Baqueanas.
- Que é isso de categorias?
- Há categorias e subcategorias. Os
sábios que têm estudado o assunto dividiram as baqueanas em duas categorias
fundamentais: as Grandes Baqueanas, solteironas, ácidas, inimigas, em geral, da
humanidade. E as Sensitivas Baqueanas, categoria formada pelas baqueanas
casadas ou viúvas. O sofrimento para as Sensitivas Baqueanas provém do
conhecimento...
- Conhecimento de quê? - desejou saber a
mameluca.
- Conhecimento de causa, senhorita
Moema. O sofrimento das Sensitivas, dona Domingas, provém do conhecimento e se
traduz em saudade.
- É uma indireta? Posso lhe dizer que
não me atinge.
- Pelo amor de Deus. A senhora é de
outra classe, a classe das avós formosas e realizadas - e beijou-lhe a mão
ainda bela.
- Para as Grandes Baqueanas, as
solteironas, o sofrimento provém do desconhecimento e se traduz em vontade de
provar.
- Deve ser horrível... - murmurou a
mameluca, tomando, como a proteger-se da hipótese assustadora, as mãos de dona
Domingas.
- Provar o quê? - o estudante não
acertava uma.
- Vade retro... - disse o reverendo.
- Provar o gosto do pecado...
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