segunda-feira, junho 16, 2014

... são alegres, satisfeitas da vida
OS VELHOS MARINHEIROS

(Jorge Amado)


Episódio Nº 107










Do tombadilho chegavam vozes de passageiros discutindo pontos no jogo do golfe de bordo. A recém-casada, para melhor escutar, descansou a cabeça no ombro do marido.

- Como é isso? - perguntou um dos estudantes. - Tenho visto muita balzaquiana solteira bem aproveitável... Na pensão do Catete onde mora um amigo meu, tem uma - que peixão!

- Note a diferença, que é evidente, dona Domingas: as balzaquianas, casadas e por vezes com amante...

- Te esconjuro! - disse o reverendo.

- ... são alegres, satisfeitas da vida. Só começam realmente a sofrer a grande inquietação quando os homens já não lhes deitam olhares cobiçosos.

- Deve ser triste... - falou em voz baixa a mameluca.

- É quando mudam de classe, descem ao círculo infernal das baqueanas...

- Essa sua teoria não é muito cristã, Doutor - riu o padre.

- Científica, Reverendo.

- A mulher honesta guarda a eterna beleza da alma... - declamou o senador.

- Deixem Dr. Morais continuar... - dona Domingas impunha silêncio à roda, aquele senador era um imbecil.

- Isso é verdade, meu caro senador. Mas, quando a gente olha para uma mulher, não lhe vê a alma, espia-lhe as pernas... Mas, prossigo na teoria das baqueanas: as solteironas, desde o momento em que atravessam a fronteira dos vinte e oito anos e perdem as esperanças de casamento, formam imediatamente na fila das baqueanas.

É quando, Padre, começam a frequentar as igrejas, a cuidar dos altares, a se confessar todos os dias. O senhor conhece o assunto melhor do que eu.

São amargas e ranhetas, implicantes, más-línguas. Pertencem à categoria das Grandes Baqueanas.

- Que é isso de categorias?

- Há categorias e subcategorias. Os sábios que têm estudado o assunto dividiram as baqueanas em duas categorias fundamentais: as Grandes Baqueanas, solteironas, ácidas, inimigas, em geral, da humanidade. E as Sensitivas Baqueanas, categoria formada pelas baqueanas casadas ou viúvas. O sofrimento para as Sensitivas Baqueanas provém do conhecimento...

- Conhecimento de quê? - desejou saber a mameluca.

- Conhecimento de causa, senhorita Moema. O sofrimento das Sensitivas, dona Domingas, provém do conhecimento e se traduz em saudade.

- É uma indireta? Posso lhe dizer que não me atinge.

- Pelo amor de Deus. A senhora é de outra classe, a classe das avós formosas e realizadas - e beijou-lhe a mão ainda bela.

- Para as Grandes Baqueanas, as solteironas, o sofrimento provém do desconhecimento e se traduz em vontade de provar.

- Deve ser horrível... - murmurou a mameluca, tomando, como a proteger-se da hipótese assustadora, as mãos de dona Domingas.

- Provar o quê? - o estudante não acertava uma.

- Vade retro... - disse o reverendo.

- Provar o gosto do pecado...

Site Meter