sábado, junho 14, 2014

É um triste galanteio
OS VELHOS
MARINHEIROS

(Jorge Amado)

Episódio Nº 106









 - O marido está muito doente. Os médicos no Rio não lhe deram esperanças. E ele próprio, sendo médico, não tem ilusões.

- Deixemos a pobre senhora em paz, tão digna de pena. Vamos à teoria, Dr. Morais, o senhor me mata de curiosidade - interveio dona Domingas.

- Pois bem: hoje diz-se balzaquiana para uma senhora de seus quarenta anos, não é, dona Domingas? Quando está em pleno... - parecia procurar a palavra exacta, ajudando-se com a mão levantada - ... em plena exigência. A idade do vulcão...

- Gozado... - disse o estudante, evidentemente pouco oportuno.

- Aos quarenta? - o senador considerava a questão com o mesmo grave ar de entendedor com que votava de cabresto todos os projectos governamentais.

- Ora, as balzaquianas têm duas formas, dois meios, duas maneiras de sair de sua condição quando o tempo é chegado. A primeira é a maneira “vovó”, essa que a senhora usa como ninguém, dona Domingas. Dando à sua beleza a dignidade devida aos cabelos brancos...

- É um triste galanteio...

- As outras, a grande maioria aliás, passam do estado de balzaquiana para o estado de baqueana. E assim chegamos à definição clássica, estabelecida por um sábio vienense, das baqueanas.

 A baqueana, dona Domingas, é a balzaquiana quando baqueia, a balzaquiana baqueada. Ou seja, quando avançada na casa dos quarenta, aproximando-se dos cinquenta, já o continente não corresponde ao conteúdo...

- Que história é essa? - quis saber a mameluca, muito parada e silenciosa em sua cadeira, os olhos no advogado.

- Quando o exterior já não corresponde às necessidades interiores...

- Quando as rugas começam a virar pelanca. O pior é que a maioria das baqueanas não se dá conta de seu estado, agem como mocinhas ou como balzaquianas.

Por exemplo, a menina Clotilde... Conheço muito a sua família, sou amigo de seu irmão.

- Mas o senhor é injusto com ela - comentou dona Domingas. Não está ainda nesse estado. Balzaquiana, sim, mas não baqueana. O senhor, tão entendido no assunto, cometeu um erro.

- Erro, e grave, quem cometeu foi a senhora, minha cara amiga. Mal está se informando dos rudimentos de uma ciência e já tenta dar quinau no professor...

 É que ainda não desenvolvi completamente toda a teoria das baqueanas. Nenhuma solteirona, dona Domingas, em nenhum momento, pertence à classe das balzaquianas. Passa directamente de mocinha para baqueana.

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