sexta-feira, junho 13, 2014

Diga-me - Qual a diferença entre balzaquianas e baqueanas?
OS VELHOS
MARINHEIROS

(Jorge Amado)

Episódio Nº 105









- Não. Quero dizer baqueana mesmo. Uma coisa são as balzaquianas, outra, muito diferente, são as baqueanas. Clotilde Maria da Assunção Fogueira é uma baqueana...

- Nome comprido, de nobre... - disse a recém-casada.

- O pai era representante comercial, enriqueceu. O irmão ampliou a firma, está muito bem.

A senhora de cabelos brancos levantou a mão onde um anel soberbo era valorizado pela elegância de seus dedos; fez um gesto para o advogado, seu largo rosto cearense aberto num sorriso:

- Diga-me, Doutor Morais - qual a diferença entre as balzaquianas e baqueanas?

- E a senhora não conhece, por acaso, dona Domingas, a teoria das baqueanas? Uma teoria famosa, baseada em estudos de psicólogos e psiquiatras, existe toda uma biblioteca sobre o assunto. Creio que Freud até lhe dedicou um livro... - sorria o advogado, contente de brilhar.

- Baqueanas? - interrompeu o Reverendo Padre Clímaco, fechando o breviário - De Bach? - em sua distante freguesia, no interior do Amazonas, a vitrola e os discos eram o consolo e a vida, e Bach a sua paixão terrena.

O navio singrava águas verdes e tranquilas, ao longo da linha alva das praias. Temerárias jangadas entravam mar adentro, passageiros na amurada observavam as velas minúsculas na distância. O comandante parara, apontava com o dedo uma jangada, entregava a luneta a Clotilde.

- Não, meu Santo Padre. Baqueana não vem de Bach. E grande é a diferença, dona Domingas, entre elas e as balzaquianas. Pequenos detalhes estabelecem grandes diferenças - o advogado tinha fama, em Belém, de amar os paradoxos.

 Publicara, tempos atrás, um pequeno volume de Pensamentos e Máximas, muito louvado pela imprensa local, pela “originalidade dos conceitos e o castiço do estilo a recordar Herculano, Garrett e Camilo”, segundo um crítico da terra. Seu anel de grau, o rubi cercado de brilhantes, lançava fulgurações sobre a negra capa do breviário.

- Venha então essa teoria, Doutor. Não se faça difícil - exigiu dona Domingas, acomodando-se na cadeira para melhor gozar as boutades do advogado, a quem conhecia de viagem anterior.

- A teoria, altamente científica como eu disse, refere-se às mulheres já de certa idade.

- De minha idade...

- Sua beleza não tem idade, minha senhora. Quanta moça não quisera ter a graça dessa avó...  Bem: a balzaquiana era, segundo Balzac, a mulher aos trinta anos. Hoje, com o progresso e a arte da maquilagem, aos trimta anos a mulher é ainda uma jovenzimha.

Reparem, por exemplo, na esposa do Dr. Hélio, aquele médico de Natal. Tem trinta e cinco anos, o marido me disse. Parece, no entanto, uma adolescente.

- É uma bonita senhora - apoiou o senador. - E distinta...

- Mal empregada, o marido é um caco velho... - comentou um dos estudantes.

O reverendo o interrompeu:

- Olhe a caridade cristã, meu filho ...

- E lembre-se daquele mandamento: “Não cobiçarás a mulher alheia” - completou o advogado.

- Senhora honestíssima! - o senador fitava reprovativo o estudante encabulado.

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