quinta-feira, junho 12, 2014

Lá vai o comandante comboiando a sua  baqueana...
OS VELHOS
MARINHEIROS

(Jorge Amado)

Episódio Nº 104










“Deixa passar uns dias”, é fácil de dizer- Pedro Torresmo, quando me encontra na rua, olha-me atravessado e ameaçador. A mãe anunciou aos vizinhos sua decisão de correr-me a vassouradas se eu puser os pés no Beco das Três Borboletas. Como voltar a vê-la?

Aqui estou sem mulher, as noites longas de passar, nunca tanto desejei e quis a alguém como a essa doirada mulata de lábios gulosos. Meu tempo nunca foi tão livre, disponho até das horas dedicadas à prosa com o juiz, pois o Meritíssimo reduziu a simples aceno de cabeça as relações com esse seu incondicional admirador.

No entanto, o trabalho marcha lento e difícil, saem trôpegas as frases, embrulham-se os acontecimentos em minha cabeça, não consigo fixar-me no comandante e em sua madura bem-amada, a solteirona Clotilde.

Madura, bem madura, há uma veranista na praia cujos olhos me perseguem. Viúva, veio pela primeira vez passar aqui os meses de verão com umas sobrinhas. Não pode me ver sem ficar inquieta, puxa conversa, dá-me entrada, só falta me agarrar.

Mas quem teve em seus braços os pequenos seios rijos de Dondoca, suas modeladas ancas, quem tocou seu ventre de fagulha, como poderia sentir, sequer por explicável curiosidade, o menor desejo por essa ruína a reclamar urgente meia sola, operação de cirurgia plástica?

Como pesquisar a verdade sobre o comandante e suas aventuras, se, neste momento, o que desejo descobrir, tirar a limpo, pôr completamente a claro, é como veio o Meritíssimo a saber de minhas nocturnas visitas ao Beco das Três Borboletas?

Desconfio ter sido carta anónima. Um desses mexeriqueiros suburbanos, um Telémaco Dórea, um Otonlel Mendonça, invejoso de meus sucessos nas letras históricas e de meu lugar no leito de Dondoca.

A raça de Chico Pacheco não se extinguiu em Periperi. Ah! mas se eu descobrir a verdade, não convidarei o canalha para um duelo como fez o comandante. Parto-lhe a cara na primeira esquina.


Da científica teoria das baqueanas


- Lá vai o comandante comboiando a sua baqueana... - disse o advogado paraense Dr. Firmino Morais, com fumaças de literato, e vasto prestígio social.

Regressava de viagem ao Rio, onde defendera, ante o Supremo Tribunal Federal, recurso de uma firma exportadora de borracha. Rendera-lhe o passeio mais de cem contos de réis.

Era grande a roda no salão, centralizada pelo senador, por um padre, o Reverendo Clímaco, e por uma senhora idosa, de brancos cabelos anelados, amável porte, cuja beleza devera ter sido estonteante e que sabia envelhecer com dignidade e classe.

Os netos, de quando em vez, vinham encostar-se em seus joelhos, receber uma carícia, uma palavra, um beijo. Os recém-casados estavam no grupo, além dos dois estudantes de Fortaleza, e da mameluca, sentada ao lado da simpática velha que, por vezes, sorria para a moça admirando-lhe a agreste beleza.

Ainda outras senhoras e outros homens ali reunidos, nas cadeiras estofadas, contentes de privar com personalidades ilustres como o senador, o grande advogado, o reverendo e aquela anciã, cuja família, filhos e genros, era conhecida no país inteiro.

 Olhavam o comandante passar ao lado de Clotilde, no tombadilho.

- Balzaquiana, quer o senhor dizer... - corrigiu um estudante com a natural suficiência da idade.

 - A mulher de Balzac... - completou o senador com seus laivos de literatura (clássica, bem entendido).

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