sábado, junho 28, 2014

Mas, porque esse mistério todo, esse segredo?
OS VELHOS
MARINHEIROS

(Jorge Amado)

Episódio Nº 118










Clotilde pedira-lhe segredo sobre o compromisso jurado ao luar. Queria casar-se sem convidados, sem notícias, sem festa, apenas ela, Vasco, seu irmão, sua cunhada. E, se tivesse de ser, deveriam fazê-lo em tempo breve, não aceitava noivado a demorar-se...

- O tempo de tratar os papéis...

Com ela queria voltar para Periperi, com a esposa encontrada no mar, aquela por quem esperara tanto tempo, nas pontes dos navios, iluminados paquetes, negros cargueiros, nas distantes rotas solitárias.

Numa réstia de luar ela viera, rompida para sempre a solidão, terminada a longa espera.

Capítulo um pouco tolo e muito feliz, com direito a visitar as máquinas e o porão e a lançar um SOS feliz, o comandante. Feliz, a grande baqueana.

Rindo os dois pelos cantos do navio, trocando olhares ternos e sorrisos tímidos, apertando-se as mãos às escondidas, murmurando-se doçuras, renascendo um e outro em roubados beijos e projectos.

Ela era romântica e muito sofrera. O sofrimento fizera-a exigente e desconfiada, sua natureza romântica adorava o mistério. Por tudo isso, nem sequer o nome completo dissera ao comandante, era Clotilde apenas.

Nem detalhes sobre família, além da vaga notícia de um irmão casado e com dois filhos, em Belém, a irmã com cinco filhos e o marido engenheiro, no Rio.

 Proibira-o, ao demais, de interrogar os passageiros paraenses sobre ela, queria colocar o seu amor à prova.

- Vou-lhe apresentar a meu irmão no cais, em Belém. Ele vai me esperar.

- Mas, Clô...

Conhecera uma Clô há mais de vinte anos, loira de corpo de leite, quase pelada, não se lembrava mais se na Islândia, entre icebergs e fiordes, ou se num castelo da Bahia, na pensão de Carol ou de Sabina.

Havia alguma coisa de comum entre aquela Clô de gelo e de gêiser e a virginal Clotilde; talvez os seios volumosos, talvez um jeito infantil no falar e nos modos.

Quando dizia Clô para Cloude não podia evitar a lembrança daquelas noites do passado, das alvas carnes inesquecíveis.

- ... lembre-se que eu não posso sair junto com você, meu bem. Tenho de demorar, assinando papéis. É o último porto, termina a viagem, estarei preso a bordo...

Ela adorava o mistério:

- Na hora de desembarcar lhe entrego um papel com meu nome completo e meu endereço. Até já escrevi, está aqui... - apontava para o decote do vestido, ao calor do seio guardava o papel que era a chave a abrir a porta de sua família, do novo lar do comandante.

- Fico lhe esperando em casa, pode vir jantar com meu irmão e minha cunhada. Vou mandar fazer casquinho de caranguejo. É até bom assim, tenho tempo de falar com meu irmão...

- Mas, por que esse mistério todo, esse segredo?

- Quero ter a prova de seus sentimentos. Saber se gosta de mim mesmo e não por minha família...

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