terça-feira, julho 22, 2014

Ajeita a arma mas não se precipita...
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 7

















Ajeita a arma mas não se precipita, deixa o cafuzo avançar para que o resto da tropa se coloque sob mira certa. Por que diabo o filho da mãe está de revólver em punho e pisa com tanta precaução, examinando os arredores?

Berilo levanta o olhar, perscrutando. Natário estende o braço,
firma a pontaria — com sua licença, Coronel — atira para acertar na cabeça. O tiroteio irrompe no alto da colina e a confusão se estabelece no lodaçal, em baixo; os jagunços respondem a esmo, sem saber para onde dirigir as armas.

Uma carnificina, como comprovou o coronel Elias Daltro.

Não se tinha notícia de tocaia de tal envergadura, nem nos tempos das primeiras lutas, as de Basílio de Oliveira e dos Badaró. Ia ficar na história, a tocaia grande.

5

Não escapou nenhum dos jagunços do coronel Elias, pistoleiros de renome, trazidos do sertão, de Sergipe d’El Rey, terra de valentes, alguns até das Alagoas, profissionais.

Quando os cabras desceram a colina, seguindo Natário, pouco trabalho tiveram: acabar com os feridos; abater alguns que tentavam subir para buscar abrigo entre as árvores e dali cobrar preço caro pela vida; perseguir dois ou três que arriscavam a fuga por onde haviam chegado.

Caçando esses últimos, o negro Espiridião encontrou o corpo
de Coroinha, próximo a um penedo atrás do qual certamente quisera se esconder: Natário entendeu então por que Berilo empunhava o revólver e andava com tanta cautela e vigilância.

Coroinha fora despachado à faca. Tinham-lhe arrancado o coração e os ovos, costume, ao que parecia, muito do agrado do falecido valentão das Alagoas. Natário achou correcto que o tivessem liquidado.

Se Berilo não o houvesse feito, ele próprio se encarregaria da tarefa. Concordou inclusive com a escolha da arma branca: leva-e-traz não vale o custo de uma bala de espingarda.

Mas não aprovava malvadezas: aviar um infiel com tiro ou punhalada é uma coisa, judiar do desgraçado é outra, muito diferente.

Armas de segunda mão, de pouca serventia, Natário não permitiu que as recolhessem. Ainda com o negrume da noite deixaram o lugar.

Obedecendo ao mando do negro Espiridião, os cabras regressaram à Fazenda da Atalaia. Natário atravessou o pontilhão, seguiu para a estação da Estrada de Ferro, de lá enviaria o telegrama, nos termos combinados. Com pequena alteração na assinatura: em vez de Natário, capitão Natário.

Ao atingir a curva do rio, Natário olhou para trás, relembrando; sorriu contente. Não recordava, no entanto, o tiroteio, os corpos caídos, Berilo de cabeça destampada, Coroinha capado, picado de faca, o coração fora do peito.

Conduzia nos olhos e na memória a visão da paisagem nocturna, sob o temporal: as colinas e o vale varridos pela chuva, o rio de ventre crescido como se estivesse prenhe, quanta formosura!

Lugar mais bonito, de dia ou de noite, com sol ou com chuva, não existia por aquelas bandas; melhor para se viver, nenhum.



O BACHARELANDO VENTURINHA SE INICIA NA VIDA PÚBLICA


1

O rosto demonstrando entusiasmo, riso fácil e satisfeito - 
Venturinha -  que viera passar as férias de São João comentou, ao abraçar Natário na estação de Taquaras:

 -  Então, o coronel Elias arriou as calças e pediu penico...

O mameluco corrigiu:

 - Um homem do porte do coronel Elias Daltro não pede penico, Venturinha, pede uma trégua.

Não se inibia diante do filho do patrão. Venturinha ainda não completara nove anos quando Natário se acoitou na fazenda e ficou agregado ao Coronel. O garoto apegou-se ao jovem capanga, viajava no cabeçote de sua sela, aprendia com ele as vozes dos pássaros e o manejo das armas.

 A primeira rapariga que Venturinha cobriu foi trazida por Natário: a sardenta Júlia Saruê, mulher-dama escoteira, exercendo de roça em roça, habituada a tirar cabaço de menino. Melhor do que ela, só a égua Formosa flor.


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