segunda-feira, julho 21, 2014

Cabe-lhe o primeiro tiro...
TOCAIA
GRANDE

(Jorge Amado)

Episódio Nº 6
















Enquanto isso, os cabras do coronel Boaventura Andrade
desceram pela estrada real; ainda assim a caminhada foi penosa.
Chegaram porém a tempo e hora para armar a tocaia e ficar à espera.

4

Ouvidos à escuta, tentando distinguir rumor de passos em
meio à comoção da borrasca — o zunido do vento, o estrondo do trovão, o barulho medonho da queda de um pé de pau atingido pelo raio -  encharcados, cobertos de lama, distribuídos por detrás das árvores, no alto da colina, os cabras esperam, tensos.

 Habituados ao tempo longo das tocaias, temperados no perigo e na luta, íntimos da morte, ainda assim não conseguem impedir incómoda sensação de agonia diante da fúria da natureza, o fim do mundo.

Procuram manter a calma, controlar o sobressalto; medo maior sentem de Natário: da intempérie poderão escapar com vida, de bala do capataz nem por milagre.

Armada a tocaia, designado o posto de cada um, Natário determina como e quando entrar em acção, exige silêncio e acentua a responsabilidade da empreitada: ai daquele que errar a pontaria!

Em seguida, ele próprio se coloca quase na beira do barranco,
junto ao tronco do mulungu, de onde domina o vale inteiro.

Empunhando a Parabelo, Natário permanece imóvel, à espreita.

Cabe-lhe o primeiro tiro, sinal para os cabras abrirem fogo,
sentença de morte para o tal Berilo, pistoleiro recrutado nas
Alagoas, facínora famoso pela perversidade, comandante da expedição.

Depois cuidará de Coroinha, o guia, se o desinfeliz escapar
da primeira rajada ou se não tiver capado o gato. Não chega a ter dó de Coroinha apesar de conhecê-lo há um ror de anos:
indivíduo que serve a dois patrões, que se vende, não merece
compaixão.

 Nascido e criado nas roças do coronel Elias Daltro, pessoa de sua estima e confiança, o vaqueiro fornecera ao inimigo
informações preciosas por dez réis de mel coado: o número
exacto dos componentes da tropa, vinte e sete homens, um exército!

As armas que portavam, dia e hora da partida, e se
comprometera a emitir o grito da coruja quando se aproximassem. Talvez cumpra o trato, talvez não.

Natário tenta perceber qualquer ruído suspeito: galho sendo
quebrado para abrir passagem, escorrego na lama, uma voz, cicio de conversa — vindos pela trilha, os jagunços estarão descuidados, na certeza de que o perigo ficara para trás, nas distantes divisas da Atalaia. Poderá escutar até mesmo, quem sabe, o pio da coruja, mas duvida.

 O mais certo é que Coroinha, ao chegar nas proximidades,
ganhe o mundo; caçador inveterado, conhece esconderijos
e desvios. Assim imagina, assim acontece. Houvesse confiado
no judas, teria perdido o momento preciso para o ataque, o
arrenegado não cumpriu o trato.

Ouvido fino, o mameluco distingue, quase adivinha o leve
chocalhar de pés na lama, pisadas prudentes; com a mão faz um sinal aos cabras. Aguça a vista, no clarão do relâmpago enxerga Berilo.

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