Com quantas amarras, comandante, vamos amarrar o navio? |
OS VELHOS
MARINHEIROS
(Jorge Amado)
Episódio Nº 124
Começava a animar-se o tombadilho,
Clotilde apareceu conduzindo Jasmim, o calor equatorial resistia à brisa do
mar. O comandante aproximou-se da baqueana com a consciência de quem se
comportara à altura de seu glorioso passado.
Aquele foi um dia nervoso. Nervosos os
passageiros, a arrumar as malas, a consultar os relógios na ânsia da chegada.
Aquelas últimas horas eram as mais lentas de passar.
Nervosa Clotilde, pensando em como dizer
de seu noivado ao irmão, como explicar a aliança agora em seu dedo. Nervoso o
comandante, sem saber como enfrentar aquela importante família paraense,
aqueles nobres, “dignos da maior consideração”, como chegara a ouvir do
advogado. As horas se arrastavam, crescia o calor.
Na mesa, ao almoço, a pedido dos outros
passageiros, o Dr. Firmino Morais brindou brevemente ao comandante pelo sucesso
da viagem e as atenções a todos dispensadas.
Vasco comoveu-se e agradeceu, desejando
aos passageiros, moças e rapazes, senhoras e senhores, muitas felicidades.
Tocou sua taça na de Clotilde. Saiu então de sua mesa a bela mameluca,
aproximou-se do comandante, deu-lhe um beijo na face.
Agora a terra estava próxima e chegou o
momento em que enxergavam na distância o casario de Belém. Vasco apertou a mão
de Clô, subiu para a ponte de comando.
Com a luneta ao olho examinou a cidade,
as casas de azulejos portugueses, a pitoresca agitação do mercado do
Ver-o-Peso, o ancoradouro da Port-of-Pará onde ia encostar o Ita.
Os oficiais de bordo estavam todos na ponte,
mesmo o comissário. O imediato ditava ordens. O navio aproximava-se. Vasco
detinha-se nas bandeiras dos cargueiros e paquetes ancorados: ia o Ita, segundo
tudo indicava, ficar ao lado de um cargueiro inglês, mais adiante estava um
pequeno navio do Lloyd Brasileiro, um iate vindo da Guiana Francesa, além dos gaiolas
numerosos.
Do barco inglês, marujos loiros saudavam
com a mão. O comandante pensou que sua missão estava finda, pois as máqui nas reduziam o ritmo, quase deixavam de
trabalhar.
O navio chegava a seu destino. Era
só assinar documentos e poderia descer as escadas, alcançar Clotilde, receber
de suas mãos aquele papel com seu nome completo e o endereço, perfumado ao
contacto do seio virginal e apaixonado.
Documentos que o representante da
Companhia, parado no cais, segurava na mão. Entre tanta gente a esperar os
passageiros, quem seria o irmão de Clotilde? Vasco buscava adivinhá-lo na
multidão a gritar para bordo, a acenar, impaciente.
Carregadores ofereciam seus serviços,
mostravam os números ao peito. Tudo correra bem, pensou o comandante. Foi nesse
momento, quando um sorriso de perfeita satisfação abriu-se em seus lábios, que
ressoou aos seus ouvidos a voz do imediato, cercado por todos os oficiais de
bordo, o comissário inclusive:
- Comandante!
- O quê?
- Agora, Comandante, chegamos ao fim de
nossa viagem.
- Felizmente tudo correu bem.
- Felizmente. Agora só resta o senhor
dar as ordens finais - postou-se solene diante dele, levantou a voz: - Com
quantas amarras, Comandante, vamos amarrar o navio ao cais?
- Como?
- Com quantas amarras, Comandante, vamos
amarrar o navio ao cais de Belém? - repetiu ainda mais solene e grave.
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