sábado, julho 05, 2014

Com quantas amarras, comandante, vamos amarrar o navio?
OS VELHOS
MARINHEIROS
(Jorge Amado)

Episódio Nº 124











Começava a animar-se o tombadilho, Clotilde apareceu conduzindo Jasmim, o calor equatorial resistia à brisa do mar. O comandante aproximou-se da baqueana com a consciência de quem se comportara à altura de seu glorioso passado.

Aquele foi um dia nervoso. Nervosos os passageiros, a arrumar as malas, a consultar os relógios na ânsia da chegada. Aquelas últimas horas eram as mais lentas de passar.

Nervosa Clotilde, pensando em como dizer de seu noivado ao irmão, como explicar a aliança agora em seu dedo. Nervoso o comandante, sem saber como enfrentar aquela importante família paraense, aqueles nobres, “dignos da maior consideração”, como chegara a ouvir do advogado. As horas se arrastavam, crescia o calor.

Na mesa, ao almoço, a pedido dos outros passageiros, o Dr. Firmino Morais brindou brevemente ao comandante pelo sucesso da viagem e as atenções a todos dispensadas.

Vasco comoveu-se e agradeceu, desejando aos passageiros, moças e rapazes, senhoras e senhores, muitas felicidades. Tocou sua taça na de Clotilde. Saiu então de sua mesa a bela mameluca, aproximou-se do comandante, deu-lhe um beijo na face.

Agora a terra estava próxima e chegou o momento em que enxergavam na distância o casario de Belém. Vasco apertou a mão de Clô, subiu para a ponte de comando.

Com a luneta ao olho examinou a cidade, as casas de azulejos portugueses, a pitoresca agitação do mercado do Ver-o-Peso, o ancoradouro da Port-of-Pará onde ia encostar o Ita.

 Os oficiais de bordo estavam todos na ponte, mesmo o comissário. O imediato ditava ordens. O navio aproximava-se. Vasco detinha-se nas bandeiras dos cargueiros e paquetes ancorados: ia o Ita, segundo tudo indicava, ficar ao lado de um cargueiro inglês, mais adiante estava um pequeno navio do Lloyd Brasileiro, um iate vindo da Guiana Francesa, além dos gaiolas numerosos.

Do barco inglês, marujos loiros saudavam com a mão. O comandante pensou que sua missão estava finda, pois as máquinas reduziam o ritmo, quase deixavam de trabalhar.

O navio chegava a seu destino. Era só assinar documentos e poderia descer as escadas, alcançar Clotilde, receber de suas mãos aquele papel com seu nome completo e o endereço, perfumado ao contacto do seio virginal e apaixonado.

Documentos que o representante da Companhia, parado no cais, segurava na mão. Entre tanta gente a esperar os passageiros, quem seria o irmão de Clotilde? Vasco buscava adivinhá-lo na multidão a gritar para bordo, a acenar, impaciente.

Carregadores ofereciam seus serviços, mostravam os números ao peito. Tudo correra bem, pensou o comandante. Foi nesse momento, quando um sorriso de perfeita satisfação abriu-se em seus lábios, que ressoou aos seus ouvidos a voz do imediato, cercado por todos os oficiais de bordo, o comissário inclusive:

- Comandante!

- O quê?

- Agora, Comandante, chegamos ao fim de nossa viagem.

- Felizmente tudo correu bem.

- Felizmente. Agora só resta o senhor dar as ordens finais - postou-se solene diante dele, levantou a voz: - Com quantas amarras, Comandante, vamos amarrar o navio ao cais?

- Como?

- Com quantas amarras, Comandante, vamos amarrar o navio ao cais de Belém? - repetiu ainda mais solene e grave.

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