Conveniente, para quê, Natário? |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 3
- O vizinho perdeu a cabeça, mandou buscar jagunço até
- Estou prestando, Coronel.
- Ou a gente se cuida, faz um plano, arma
uma trampa bem armada, ou se estrepa. Tenho de me precaver, em campo raso
ninguém pode com o vizinho. - Dizia “vizinho” para não pronunciar o nome do desafecto.
Ficara nessas vagas referências, mesmo
porque ainda não havia estabelecido o plano, imaginado a trampa, somente em
Ilhéus concebera os detalhes. Como era possível então que o capataz se
referisse a determinado lugar, respondendo à sua preocupação, à pergunta que
ainda não lhe fizera?
Lugar muito conveniente. O coronel
Boaventura sentiu o coração pulsar mais forte: por acaso teria Natário o dom de
ler os pensamentos? Em se tratando de gente de sangue índio nunca se pode
saber. O capataz falara exactamente quando o Coronel reflectia sobre a urgente
necessidade de encontrar local adequado onde armar a trampa, operação principal
do plano elaborado em segredo.
Natário respondia directamente a seu
pensamento, antes que o Coronel abrisse a boca para anunciar a decisão tomada:
- Conveniente, para quê, Natário?
O sorriso se ampliou no rosto tranqui lo do mameluco. Não fossem os pequenos olhos
penetrantes, passaria por indivíduo dócil e pacato, simplório. Apenas os que o
conheciam de perto, os que o tinham visto em acção em momentos críticos, sabiam
quanta capacidade de decisão e raciocínio, de valentia e comando se escondia sob
a face estática.
- Para uma tocaia grande, Coronel, melhor
lugar, não conheço. Coincidência, sem dúvida, não havia outra explicação. Ainda
bem, pois se Natário adivinhasse pensamento alheio, não restaria escolha ao
Coronel senão mandar liqui dá-lo. O
que seria uma lástima: cabra de tanta competência não se encontrava vagando nas
estradas.
Natário servia ao coronel Boaventura há mais
de qui nze anos, com uma lealdade
repetidas vezes posta à prova nas lutas passadas, por duas ocasiões lhe salvara
a vida. Quando chegara à Atalaia pedindo couto - havia matado um comerciante
numa casa de putas em Propriá - era um rapazola imberbe, ninguém daria nada por
ele.
Hoje, o nome de Natário corre mundo,
respeitado, bem visto por uns, odiado por outros, temido por todos: quando abre
a boca faz-se silêncio para ouvi-lo, quando saca da arma é um “deus-nos-acuda”,
um “salve-se-quem-puder”!
Em troca da dedicação e dos bons
serviços, o patrão lhe prometera um pedaço de terra, com escritura lavrada em
cartório, no qual Natário plantasse roça de cacau, estabelecesse fazenda logo
que o barulho terminasse. O Coronel não se arrepende da promessa: adivinho ou
não, Natário era merecedor.
- Todo lugar serve para se armar uma
trampa — o Coronel evitava usar a palavra tocaia - basta uma árvore bem situada
e um cabra bom na mira.
Natário abriu ainda mais o sorriso:
— Vosmicê está certo mas eu estou
falando de uma tocaia grande que é do que nós precisa. Andam dizendo por aí que
os homens que o coronel Elias contratou vão ir para Itabuna por esses dias,
mais hoje mais amanhã. Pra cima de vinte homens... - reforçou a voz: — Com um
pé de pau e um vivente não basta não senhor.
Estavam a par dos movimentos do coronel
Elias, do recrutamento de jagunços, alguns vindos de longe, escolhidos a dedo
para garantir a posse do advogadozinho de meia pataca, eleito Intendente com a
caução do Governador.
Por que diabo o Governador tomava partido naquela disputa
que somente a eles interessava, aos senhores da região? Por que se metia a
decidir se não tinha competência para tanto?
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