sexta-feira, julho 18, 2014

Lugar mais conveniente não podia haver...
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)




Episódio Nº 4














O coronel Boaventura não desejava indispor-se com o Governador, mas a Intendência de Itabuna era assunto privativo, a ser decidido pelos coronéis, por bem ou por mal, por um acordo ou pelas armas, quem fosse mais forte ou mais sabido designaria o candidato.

Necessária apenas para legalizar o fato consumado, a farsa da eleição devia suceder à de O vizinho, julgando-se sabido, antecipara a data, proclamara o advogadozinho vencedor e pretendia empossá-lo.

Tricas de bacharel, o coronel Boaventura as odiava. O remédio legal era a anulação do pleito — pleito, uma bosta!

Nomeação a bico de pena, os capangas substituindo os eleitores -  mas para obtê-la não bastava a petição ao juiz: igual à eleição a anulação devia suceder aos fatos consumados.

Nos dias passados em Ilhéus, de onde estava voltando, o coronel Boaventura activara alianças, fizera promessas, proferira ameaças, azeitara molas emperradas nos cartórios, e, como de hábito, se locupletara no macio leito, no cálido colo de Adriana, rapariga que mantinha com aparente exclusividade na pensão de Loreta.

Concebido o plano em todos os detalhes, tomadas as medidas indispensáveis para seu completo sucesso, faltava apenas descobrir um lugar a contento e certificar-se do dia em que os homens do vizinho tomariam o rumo de Itabuna. Para sabido, sabido e meio.

Passada a curva do rio, Natário sustou o passo da mula:

 -  Não dá para subir montado, Coronel, não tem passagem. Deixaram as montarias com os dois capangas, Natário puxou do facão; ia cortando galhos, abrindo uma picada, O corpulento fazendeiro segurava-se nos arbustos, escorregava nas pedras soltas:

 - Valeria a pena tanto esforço? Mas, quando chegaram ao alto da colina, não pôde conter uma exclamação ao descortinar o imenso descampado, o vale se estendendo nas duas margens do rio, vista soberba, um deslumbramento.

 - Lugar mais bonito!

Natário balançou a cabeça, concordando:

 - É onde vou fazer minha casa, Coronel, quando a peleja acabar e vosmicê cumprir o trato. Isso aqui ainda há de ser uma cidade. Tão certo, nem que eu estivesse vendo.

 - Fitava ao longe, parecia enxergar além do horizonte, além do tempo. Mais uma vez o Coronel sentiu aguçar-se a dúvida: o mameluco seria vidente? Talvez o fosse, sem saber: havia casos, dona Ernestina conhecera mais de um. Também Adriana acreditava em telepatia e em vidência, nisso as duas se pareciam, a esposa e a amásia, no mais que diferença!

Natário prosseguiu:

 -  Tive sabendo que os paus-mandados do coronel Elias vão
vir por aqui para alcançar o rio sem cruzar pela Atalaia. Está
vendo aquela trilha, Coronel? Não tem outra. Se vosmicê quiser, dê as ordens me posto aqui em cima com um punhado de homens, lhe garanto que não vai chegar nem um cabra deles em Itabuna.

Lugar mais conveniente que esse para uma tocaia grande
não pode haver, Coronel. Daqui de cima é só fazer a mira e despachar os clavinoteiros para os quintos dos infernos. 

Sorriu: - Parece que Deus fez este lugar de propósito, Coronel.

O coronel Boaventura sentiu que se aceleravam as batidas do coração. Além das forças sobrenaturais, igualmente Natário por vezes o assustava: com que tranquilidade fazia de Deus seu cúmplice, aliado do Coronel! Ainda bem que o tinha a seu serviço; valia por dez, no desassombro e no devaneio.

 - Você nasceu para militar, Natário. Se tivesse se engajado
na tropa e houvesse guerra, ia terminar com galões de oficial.

 -  Se assim lhe parece, Coronel, e se acha que mereço, então
me compre uma patente de capitão.

 - De Capitão da Guarda Nacional?

 - Vosmicê não vai se arrepender.

 - Pois a promessa está feita e vai ser para logo. Pode se considerar capitão desde hoje.

 - Capitão Natário da Fonseca, para lhe servir, Coronel. Lugar mais conveniente não podia haver.

Site Meter