quarta-feira, julho 02, 2014

Não quer mostrar-lhe os instrumentos do comando?
OS VELHOS
 MARINHEIROS
(Jorge Amado)

Episódio Nº 121











Foram aos porões carregados de mercadorias. O comissário, chamado às pressas, descera de cara amarrada. Imaginem se passasse pela cabeça delirante daquele louco capitão de longo curso programar uma excursão dos passageiros pelo interior do navio...

 Com ele, tudo era possível... Mas o comandante apenas o cumprimentou, não lhe deu a mais mínima atenção. O comissário dirigiu-se à ponte de comando, disse ao imediato:

- Teu comandante está levando a velhota pelo navio afora. Já esteve na casa de máquinas e na fornalha. Não me responsabilizo...

- Desde quando não tem o comandante o direito de mostrar o navio a um passageiro? Sobretudo à namorada? Deixá-lo fazer...

- Vão cair de uma escada, se matar...

- Será o segundo comandante que enterraremos nesta viagem. Um recorde...

Mal terminara o diálogo e apareciam Vasco e Clotilde na ponte, o imediato e o comissário não puderam conter o riso. Ela suja de carvão, o rosto e os braços, ele com a farda branca em petição de miséria.

- Estou conduzindo a senhorita Clotilde numa visita ao navio. Vou levá-la à sala de rádio.

- Não quer mostrar-lhe os instrumentos de comando?

- Depois, talvez.

O comissário descia as escadas, abanando as mãos. Vasco dirigiu-se à saleta do radio-telegrafista. Este, que se encontrava estirado, descansando, pôs-se de pé ao ver o comandante.

- É daqui que se pede SO.S., quando o navio está em perigo?

- Daqui mesmo, minha senhora.

E se ela lhe pedisse o lançamento de dramáticos S.O.S.?, pensou Vasco.

Mas a ideia lhe pareceu alegre, não o assustou, seria divertida farsa.

De passagem, mostrou-lhe sua cabina, o lar do comandante. Ela espiou, enfiando a cabeça pela porta, mas sem entrar. Em cima da mesa, uma foto: bela senhora de cabelos prateados, um sorriso nos lábios, dois rapazes ao seu lado, um de seus quinze anos, outro mais velho.

- Quem é aquela? - quis saber Clotilde, desconfiada.

- Mulher e filhos do comandante que morreu... Quando desciam as escadas, ela lhe disse:

- Do que eu gostaria mesmo era de casar com um comandante . . .

- E eu, o que sou?

- Sim, já sei... Mas de casar com ele e viver a bordo. Ir com ele em seu navio para toda parte, correr o mundo, de cidade em cidade.

- É proibido levar mulher a bordo. Já pensou no perigo? Dias e dias no mar, num cargueiro, uma tripulação de homens rudes - não viu os foguistas? - e a mulher do comandante a bordo? Já pensou?

- Teve um filme com uma história assim, do comandante que levava a mulher. Muito bom mas eu perdi...

 O comandante sorriu. Um dia, quando estivessem vivendo na casa de janelas verdes sobre o mar, em Periperi, nas noites de lar tranquilo, ela fazendo tricô, ele cachimbando, contar-lhe-ia o que lhe sucedera quando, nas costas da Turquia, uma apaixonada e insensata maometana se escondera em seu beliche e ele a descobrira quando já ia o barco em alto-mar.

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