Não quer mostrar-lhe os instrumentos do comando? |
OS VELHOS
MARINHEIROS
(Jorge Amado)
Episódio Nº 121
Foram aos porões carregados de
mercadorias. O comissário, chamado às pressas, descera de cara amarrada.
Imaginem se passasse pela cabeça delirante daquele louco capitão de longo curso
programar uma excursão dos passageiros pelo interior do navio...
Com ele, tudo era possível... Mas o comandante
apenas o cumprimentou, não lhe deu a mais mínima atenção. O comissário
dirigiu-se à ponte de comando, disse ao imediato:
- Teu comandante está levando a velhota
pelo navio afora. Já esteve na casa de máqui nas
e na fornalha. Não me responsabilizo...
- Desde quando não tem o comandante o
direito de mostrar o navio a um passageiro? Sobretudo à namorada? Deixá-lo fazer...
- Vão cair de uma escada, se matar...
- Será o segundo comandante que
enterraremos nesta viagem. Um recorde...
Mal terminara o diálogo e apareciam
Vasco e Clotilde na ponte, o imediato e o comissário não puderam conter o riso.
Ela suja de carvão, o rosto e os braços, ele com a farda branca em petição de
miséria.
- Estou conduzindo a senhorita Clotilde
numa visita ao navio. Vou levá-la à sala de rádio.
- Não quer mostrar-lhe os instrumentos
de comando?
- Depois, talvez.
O comissário descia as escadas, abanando
as mãos. Vasco dirigiu-se à saleta do radio-telegrafista. Este, que se
encontrava estirado, descansando, pôs-se de pé ao ver o comandante.
- É daqui
que se pede SO.S., quando o navio está em perigo?
- Daqui
mesmo, minha senhora.
E se ela lhe pedisse o lançamento de
dramáticos S.O.S.?, pensou Vasco.
Mas a ideia lhe pareceu alegre, não o
assustou, seria divertida farsa.
De passagem, mostrou-lhe sua cabina, o
lar do comandante. Ela espiou, enfiando a cabeça pela porta, mas sem entrar. Em
cima da mesa, uma foto: bela senhora de cabelos prateados, um sorriso nos
lábios, dois rapazes ao seu lado, um de seus qui nze
anos, outro mais velho.
- Quem é aquela? - qui s saber Clotilde, desconfiada.
- Mulher e filhos do comandante que
morreu... Quando desciam as escadas, ela lhe disse:
- Do que eu gostaria mesmo era de casar
com um comandante . . .
- E eu, o que sou?
- Sim, já sei... Mas de casar com ele e
viver a bordo. Ir com ele em seu navio para toda parte, correr o mundo, de
cidade em cidade.
- É proibido levar mulher a bordo. Já
pensou no perigo? Dias e dias no mar, num cargueiro, uma tripulação de homens
rudes - não viu os foguistas? - e a mulher do comandante a bordo? Já pensou?
- Teve um filme com uma história assim,
do comandante que levava a mulher. Muito bom mas eu perdi...
O comandante sorriu. Um dia, quando
estivessem vivendo na casa de janelas verdes sobre o mar, em Periperi, nas
noites de lar tranqui lo, ela fazendo
tricô, ele cachimbando, contar-lhe-ia o que lhe sucedera quando, nas costas da Turqui a, uma apaixonada e insensata maometana se
escondera em seu beliche e ele a descobrira quando já ia o barco em alto-mar.
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