Selaram assim o seu noivado naquela hora no silêncio da igreja. |
OS VELHOS
MARINHEIROS
(Jorge Amado)
Episódio Nº 120
Do navio para a terra, riram muito. Os
remos salpicavam água nos passageiros, e a grande baqueana, para evitar os
pingos, apertava-se contra o comandante.
Foram ver a cidade, depois a Praia de
Iracema. Ali, Clotilde comprara rendas para “umas camisas novas de dormir”,
como explicou, escondendo, envergonhada, o rosto com o xale.
Fazendo com que Vasco, numa súbita
explosão de desejo - via a outra Clô, os seios saltando da rendada camisa - a
beijasse desatinado diante dos pescadores e rendeiras.
Ao voltar ao centro, ela qui s rezar numa igreja. A contrita cabeça debruçada,
orava a grande baqueana. Aproveitou-se o comandante para desaparecer. Quando,
terminada a prece, o procurou e não encontrou sequer seu rastro, sentiu o
coração parar.
Lágrimas vieram-lhe aos olhos, enquanto,
em crescente inqui etação, buscava-o
pelas redondezas. Finalmente avistou-o, vinha apressado.
Sua voz saiu ríspida:
- Onde foi? Me largou aqui . . .
Mas ele segurou-lhe o braço, fê-la
voltar à nave deserta, andou até a claridade de um vitral, tirou do bolso a
caixinha com as duas alianças recém-compradas.
Selaram assim o seu noivado naquela hora no
silêncio da igreja. Mas só a beijou lá fora, no templo ela não consentira,
acusando-o de ateu e herege. Ele era apenas feliz, o comandante.
No penúltimo dia de viagem - a chegada a
Belém estava marcada para o dia seguinte, às três horas da tarde, e lá o Ita
dormiria, iniciando a travessia de volta somente no fim da tarde do outro
dia - um capricho da grande baqueana causou rebuliço e confusão a bordo.
Clotilde anunciou seu desejo de ver o navio
por dentro, descer à casa das máqui nas,
aos porões, conhecer-lhe as entranhas. Não haviam sido os navios o lar de Vasco
durante quarenta anos?
Era romântico e compreensível anseio,
natural numa noiva, desejosa de apossar-se ao máximo de tudo quanto dizia
respeito ao futuro marido. Assim lhe confessou e, num beijo, ele prometeu.
Era evidente: estava o comandante
perturbado pela paixão, a ponto de esquecer-se das dificuldades da empresa. Não
devido aos cartazes em escondidas portas, notificando, “ser proibida a
entrada”.
Isso não se referia, é claro, ao
comandante e a convidado seu. Mas, como não pensara ele, velho marinheiro, nas
escadas perigosas, na sumária tanga dos foguistas?
Assim,
vinte e quatro horas antes da escala final, tomou da bem-amada pela mão, e
dirigiu-se para o ventre do navio. Abriu pequena porta proibida, era o abismo
ao fundo, e aquela escada de ferro, estreita e vertical, a pique sobre o
abismo.
Clô soltou um gritinho: ai!, mas ele
iniciara a descida, estendia-lhe a mão. Como não se despenharam os dois, eis um
mistério a provar mais uma vez a existência de um deus dos amorosos.
O chefe das máqui nas
escancarou a boca, deu breves explicações.
Houve um rebuliço na fornalha:
carvoeiros e foguistas, praticamente nus, afobaram-se ao ver aquela dama de
súbito diante deles. O segundo-maqui nista
botou as mãos na cabeça.
Clotilde, no cúmulo da excitação, qui s atirar uma pá de carvão na fornalha rubra.
Estava afogueada pelo calor. O comandante ajudou-a, dizendo-lhe recordar assim
seus tempos de grumete, quando vinha, por vezes, trabalhar com os foguistas.
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