sábado, agosto 30, 2014

Alguns coronéis, vaidosos da fortuna e da chibança.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado

Episódio Nº 39



















Nos tempos da Colónia, quando ainda não existia o cacau, São Jorge, trazido no oratório das caravelas pelos brancos, fora proclamado padroeiro da capitania. Montado em seu cavalo, a lança erguida, santo guerreiro, protector na medida exacta.

 No recesso da floresta, trazido pelos escravos no porão dos navios negreiros, Oxóssi, dono da mata e dos animais, cavalgava um porco-espinho, um queixada gigantesco, um caititu.

Fundiram-se o santo da Europa e o orixá da África numa divindade única a comandar o sol e a chuva, a receber as preces e as cantigas, as missas e os ebós: no andor da procissão, no altar-mor da Catedral de Ilhéus ou na choça de pai Arolu que nascera escravo e ali se acoitara para guardar a liberdade.

No peji, lado a lado, o arco-e-flecha, emblema de Oxóssi trabalhado na bigorna por Castor Tição Abduim, e a estampa em cores vivas de São Jorge na lua esmagando o dragão, lembrança do árabe Fadul Abdala, homem temente a Deus nas horas de folga quando o comércio permitia.

As estradas, os caminhos e atalhos que conduziam das fazendas aos povoados, aos entrepostos e às estações da Estrada de Ferro dos ingleses, à cidade de Itabuna e ao porto de Ilhéus, não passavam de uma sucessão de ameaças aos animais e aos homens: buraqueira feroz, lamaçais de meter medo, despenhadeiros, precipícios, o perigo escondido sob cada pisada.

 Para cruzá-los, os burros e as mulas, de passo prudente e lerdo, eram de mais valia que as éguas e os cavalos de elegante trote, de rápido galope.

Alguns coronéis, vaidosos da fortuna e da chibança, lordes ingleses de cabelo riçado e tez morena, amavam exibir anelões de brilhante nos dedos habituados ao gatilho dos revólveres, abrir conta nas lojas para raparigas chiques e dispendiosas, trazidas da Bahia, de Aracaju, do Recife e até do Rio de Janeiro, cavalgar nas ruas das cidades montados em ginetes de raça, puros-sangues.

Mas para chegar às casas-grandes das fazendas viajavam no lombo seguro das mulas e dos burros, alguns tão bons de trote quanto o melhor cavalo.

Tropas de burro transportavam o cacau seco das fazendas para as estações da Estrada de Ferro ou para Ilhéus e Itabuna onde se encontravam as sedes das firmas exportadoras pertencentes a suíços e alemães.

Os animais mais velhos permaneciam nas fazendas, conduzindo o cacau mole das roças para os cochos. Os tropeiros, nas longas e penosas travessias por esses caminhos ínvios e arriscados, escolhiam lugares que oferecessem condições favoráveis para o pernoite.

 Ajuntamentos que com o tempo e o movimento davam, quase sempre, início a um arruado. Alguns se desenvolviam em povoados e vilas, futuras cidades, outros apenas vegetavam — um correr de casas com uma puta e uma bodega de cachaça.

Com o passar do tempo, Tocaia Grande se transformou no ponto de pernoite preferido pelos tropeiros que vinham da enorme área do rio das Cobras na qual se localizava grande número de propriedades, entre elas algumas das maiores fazendas da região.


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