sexta-feira, agosto 08, 2014

Tocaia Grande não comporta tanta lordeza
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 22


















Antes de tocar o animal, Natário perguntou:

 -Tá precisada, Coroca?

- Não tou pedindo esmola. Antes morrer de fome.

O Capitão riu, os olhos se fecharam, peste de velha de cachaço
duro:

- Ainda lhe devo uns atrasados, se lembra? Desde então.

-  Isso possa ser.

 Entregou-lhe umas moedas, partiu em busca dos trabalhadores e por eles soube dos projectos de Fadul. O mascate deixara com Bastião da Rosa algum dinheiro e ordens para derrubar e preparar madeira bastante para a construção de casa de duas portas na parte da frente e três cómodos nos fundos.

Palacete igual naquelas bandas somente em Taquaras, junto dos trilhos da Estrada de Ferro e olhe lá!

Aliás, Lupiscínio, o carpina, viera de Taquaras, mandado por seu Fadul para fazer balcão e prateleiras. Trabalho grande e na correria. Bastião da Rosa opinou:

 - O turco maluqueceu, Capitão. Tocaia Grande não comporta
tanta lordeza.

Natário abanou a cabeça, discordando. Maluco? Não achava não. Sabia de um saber sem dúvidas que, mais cedo ou mais tarde, Tocaia Grande seria uma cidade perto da qual Taquaras não passaria de desprezível tapera, um lazareto.

Palacete era o barraco de Jacinta se comparado à choupana de palha onde Bernarda se abrigara: meia dúzia de palmas mal juntadas, quatro tocos de pau enfiados no chão. No interior, um catre, uma panela de barro sobre três pedras, mais nada.

Natário desmontou, percorreu com a vista os arredores. A moça vinha chegando do rio, molhada da cabeça aos pés, na mão as peças que fora lavar: uma calçola e uma anágua. O vestido de bulgariana, ensopado em cima da pele, colava-se ao corpo escuro e o exibia; dos cabelos soltos escorria água, pingos no cangote.

Ao reconhecer o visitante, suspendeu o passo para logo partir correndo, os braços estendidos para ele. Nos olhos de Natário corria uma menina de dois anos de idade que largava a poça de lama onde brincava para pendurar-se nua e suja em seu pescoço.

 Ao se acoitar na Fazenda da Atalaia, ele vivera uma temporada longa em casa de Florêncio e de Ana, sua amásia.

Florêncio não trabalhava nas roças, ocupado em serviços de maior vulto, cuidava de armas e jagunços.

Com que idade estaria Bernarda?, perguntou-se quando a imagem da menina se incorporou na moça envolta em água e sol.

Conhecera-a criancinha de peito, pendurada nas ancas da mãe; de certa maneira Natário ajudara a criá-la. Na saleta da casinhola de duas peças, Ana armara uma rede para o hóspede; no chão, num caixote transformado em berço, dormia a criança.

 Acordava chorando, no meio da noite, mas raramente Ana despertava para lhe dar o peito. Morta de cansaço, mergulhada em sono de chumbo no quarto vizinho, nem escutava o choramingar da filha.

 Natário retirava a criança do caixote, colocava-a na rede e com o balanço a fazia adormecer, pesando em cima de seu peito.

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