quarta-feira, setembro 10, 2014

Fui mascate muitos anos.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)





Episódio Nº 48

















Fadul dera a entender um vago interesse na compra de um burro mas não demonstrara pressa em discutir condições, deixando o assunto esmorecer: negócio com cigano exige astúcia.

Desconversou:

 - Pensam se demorar?

- Aqui? Pra fazer o quê? Nem panela tem pra consertar. Cuspiu mostrando os dentes de ouro: - Negociar com quem? Salvo Vossência.

 - Vai ver como anima mais tarde com o chegar das tropas.
E dos trabalhadores, atrás das raparigas. É influído.

 - Influído?

Josef estendeu o olhar em direcção ao descampado, aos barracos escassos, às palhoças podres, reparou na casinhola de madeira onde viviam Coroca e Bernarda, deteve-se a observar o cabra na porta do depósito de cacau seco. Dado o balanço, concluiu:

 - É a paragem mais bonita desse rio. Merecia melhor sorte. Com o perdão de Vossência.

Arrecadou as compras e as colocou no saco de viagem. Contou e recontou as moedas na palma da mão mas não as entregou:

 - Se Vossência quiser posso trazer os animais até aqui.

Trago todos para Vossência escolher. Agora mesmo.

Fadul não pusera reparo no desusado tratamento - Vossência pra cá, Vossência pra lá - apenas achou graça: sabedoria de cigano.

A lisonja não passava de lambança do intruso para melhor trapacear. Em troca, reagiu à proposta de examinar os burros imediatamente, a aceitação significaria um tácito compromisso:

 - Tá maluco? Trazer aqui, atravessar o rio? Tomar esse trabalho para quê?

 - Vossência falou num burro...

 - Por falar. Nem por isso carece se esquentar. Depois vou lá, tem tempo de sobra.

 - Não pretendo me demorar.

 - Vai passar a noite, não vai?

Josef não disse nem sim nem não, negaceou:

- Para ver a influência? Será que paga a pena? Desculpe a franqueza mas duvido.

Ofereceu outra solução, mais fácil:

- Vossência vem comigo e escolhe o burro de uma vez. Antes que outro compre.

Fadul manteve-se irredutível:

 - Agora não. Não tarda a chegar freguês. Apareça amanhã de manhã, se der pé espio os burros.

Não valia a pena forçar, Josef estava acostumado àquele jogo
de cautela e ardileza. Se com outros as regras não mudavam,
imagine-se com um turco.

 - Sendo assim vou pernoitar aqui para servir Vossência.

 - Fique se quiser. Por minha causa, não.

O cigano empilhou os vinténs na tábua do balcão, meteu a mão no bolso da calça, tirou um lenço atado nas quatro pontas, desfez os nós e esparramou junto ao monte de moedas a tentação dourada das bijuterias. Fadul desdenhou dos berliques e berloques:

 - Fui mascate muitos anos. Ainda tenho um resto desse artigo
encalhado aqui. Não quer comprar? Faço bom preço.

 - Mascate? - Cabisbaixo, Josef amarrou o lenço, meteu-o
no bolso, repetiu: - Mascate!

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