terça-feira, setembro 16, 2014

Nunca comi uma cigana
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 53















7

Valério Cachorrão apontou para as carroças no outro lado do rio:

 - Ciganos... - Talvez porque estivesse com o pensamento nas raparigas, constatou: - Nunca comi uma cigana.

 - Nem tu nem ninguém -  Maninho encanecera tangendo burros, ganhara traquejo e autoridade, não costumava falar à toa:

 - Cigana é de muito se exibir para enrolar os trouxas. Mas escapa-se na hora de ir pra cama, deixa o freguês na mão.

Com cigana não adianta.

 - Conversa fiada, seu Maninho.

 - Tu nasceu ontem, não sabe de nada. Tu já topou com cigana fazendo a vida? Donde? Eu que sou de maior nunca vi cigana em casa de rapariga. Nem em Ilhéus. E olhe que lá tem mulher-dama do mundo todo.

Valério Cachorráo não passava de ajudante de tropeiro mas arrotava bazófias de jagunço:

 - Pois se uma cigana se afretar comigo, passo ela nos peitos, vancê vai ver.

 - Tu não sabe o que diz. O que a gente precisa é ficar de olho nos burros, cigano não é gente.

- Deixe por minha conta.

Fadul prometera a Josef noite influída de tropeiros, mateiros e alugados povoando o descampado, com dinheiro para gastar.

Desculpe Vossência mas duvido, retrucara o cigano. Pelo jeito sobrava-lhe razão pois aquela foi uma das noites de menor afluência de passantes em Tocaia Grande.

Além da tropa da Fazenda dos Macacos, conduzida por Maninho e Valério Cachorrão, somente outro comboio, procedente da Fazenda Santa Mariana, pernoitou no arruado, trazendo uma carga de cacau seco para o depósito.

O tropeiro chamava-se Dorindo, caboclo forte, de pouco falar. Dudu Tramela, o ajudante, moleque sarado de seus quinze anos, falava pelos dois, uma taramela,

À parte as duas tropas com os três homens e o frangote, contaram-se três mateiros e um alugado, os quatro na pista de mulher.

Acrescente-se a esses oito viventes o pardo Pergentino que chegou ao cair da noite tocando dois burros com mercadoria destinada à Fazenda da Atalaia, onde começavam os preparativos de almoços e jantares.

No cacete armado do turco - cacete armado, como diziam os tropeiros para provocar Fadul e ouvi-lo esbracejar -  Pergentino quis saber se o comerciante podia lhe dar notícias do paradeiro do capitão Natário da Fonseca. O administrador da Atalaia marcara-lhe encontro em Tocaia Grande:

 - É pro mode uma encomenda que ele pediu pra mim trazer de Taquaras. Diz que ia chegar aqui de hoje pra amanhã.

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