Tu vai morrer nos braços dele |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 52
Para que não persistissem dúvidas, para
assegurar a confiança, as videntes começavam pelo relato verdadeiro de fatos
acontecidos no passado da fulana, falando deles como se os houvessem presenciado.
Por um níquel a mais antecipavam o futuro,
garantiam amásios, amigações ricas, fazendeiros, coronéis de alto coturno, afastavam
rivais, anunciavam xodós exclusivos e eternos.
Forneciam sonho e amor a retalho e a
preço baixo. Na feira das pitonisas ao pôr-do-sol, coube a Bernarda a mais
velha e maligna das ciganas, a avó, cansada de tanto repetir vagos e exactos
sortilégios.
Tomando da mão que a menina lhe estendia
- não passava de uma menina - falou da
perseguição de um velho; existe sempre um velho a perseguir meninas. Tiro e queda:
com aquela simples referência demonstrou perfeito conhecimento do que ocorrera,
deixando Bernarda boqui aberta:
-
É isso mesmo. Sei quem é o velho.
Não podia ser outro senão o pai, mas
dele e daquele tempo
não queria se lembrar.
-
Quero saber é de depois, daqui pra
diante. Quero é saber
se ele vai gostar de mim a vida toda.
-
Seu homem?
Ergueu a vista da mão para os olhos de
Bernarda, conferiu a ansiedade e a paixão.
-
Quer que ele seja só seu, não é? Que não vá com mais nenhuma? Bote duzentos
réis na mão que eu faço uma reza e nunca mais ele vai querer saber de outra.
-
Por que havia de querer que ele fosse só meu? — Espantou- se Bernarda: - Ele
pode ter quantas qui ser.
Surpresa, a cigana voltou a fitar o
rosto tenso da menina. O que todas pretendiam, sem excepção, era ser a única,
primeira sem segunda; encomendavam malefícios contras as rivais, pagavam rezas
e mandingas.
Buscou a explicação do absurdo na face
aflita da menina, perguntou atarantada:
-
Então, o que é que tu quer?
-
Quero saber é se ele não vai se cansar de mim, largar de me ver. Se nunca vai
se enjoar de mim.
-
Bota duzentos réis e a cigana conta tudo. Na avidez do níquel acrescentou para
decidi-la: - Vejo sangue e morte...
Bernarda catou os dois tostões:
-
Diga de uma vez. Ele vai me querer a vida toda?
Tamanha aflição na fala da menina
penetrou o peito da cigana, atingiu o embotado coração: abandonando as fórmulas
repetidas, sempre as mesmas, vaticinou unicamente o que a desinfeliz queria
ouvir:
-
A vida toda.
-Vosmicê
falou em morte...
-
Tu vai morrer nos braços dele - Anunciou.
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