Pra quê? Para negociar mais adiante... |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 49
Logo se refez, porém, e num movimento
rápido colocou sobre o balcão um pequeno embrulho de papel
pardo: de onde o extraíra sem que Fadul se desse conta?
-
Pois, então, veja e me diga se Vossência tem disso em seu sortimento.
Desdobrou o papel deixando à mostra um
relicário preso a uma corrente. O turco conteve com esforço a exclamação que
lhe veio à boca e com esforço desviou os olhos. Josef proclamou:
-
Nem em Ilhéus se encontra igual.
Segurando a corrente na ponta dos dedos,
elevou o relicário à altura dos olhos do comerciante: o sol
faiscava nas ranhuras valorizando a jóia.
-
Que me diz Vossência?
Não adiantou Fadul demonstrar indiferença,
Josef constatara o interesse despertado na maneira como o
mascate estendeu a mão para segurar o relicário, no cuidado com que o recolheu: jóia concebida no tamanho exacto para a
vertente de um colo de mulher.
- Veja que presente para Vossência dar à
sua patroa. Ouro maciço. Preste atenção no acabamento.
-
Não sou casado. Nem tenho rapariga. - Nenhuma rapariga, nem mesmo Zezinha do
Butiá, valia tal regalo.
Não desmereceu a peça, não a disse falsa
nem feia. Mascate veterano, experiente no trato dos metais, Fadul sabia
distinguir e avaliar. Pela corrente não daria nada, uma pinóia.
O relicário porém era ouro de lei, peça
de alto preço, roubada com certeza. Abriu-o para examinar o interior, sopesou-a
na mão. Não a desmereceu mas negou-lhe serventia:
-
Não quero nem saber se é deveras ouro. Não tenho a quem dar nem o que fazer com
essa jóia. Pra mim não vale nada. Pra que me serve?
-
Pra quê? Pra negociar mais adiante, ganhar dinheiro. Vossência está brincando,
sabe que é ouro e do bom.
Dependendo do preço, poderia ser um
negócio de primeira: jóia para vender em Itabuna ou em Ilhéus
por um dinheirão.
Mas Fadul manteve-se nas encolhas, não
abriu o jogo. Depositou a prenda no balcão, balançou a cabeça, suspendeu os
ombros dando a questão por encerrada. Não tinha pressa.
Nem ele nem o cigano que, indiferente
aos gestos negativos do turco, observava o caminho por onde um homem se
aproximava, um habitante do lugar.
Fadul também o enxergou, tratava-se do
carpina Lupiscínio. Sobre o balcão sebento, entre Josef e Fadul, o osculatório
reluzia. Josef esperou que Lupiscínio entrasse e desse boas-tardes para voltar
a levantar a corrente e exibir o esplendor do relicário:
-
Peça parecida com essa Vossência não encontra nem em Ilhéus nem na Bahia. Veio da Europa com
meus avós, recebi de herança.
- Para comprovar a afirmação pronunciou uma frase
na língua de seu povo mas voltou a falar português ao dirigir-se a Lupiscínio:
- Que acha o cavalheiro?
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