"por vós yo me rompo toda" |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 73
O Coronel via-o na tribuna do júri, a voz redonda, a resposta pronta, o dedo em riste, seu filho doutor. Ouviu em silêncio os argumentos do rapaz, a bobageira da mulher: analfabeta de pai e mãe, mal sabendo assinar o nome, que diabo entendia Ernestina de cursos e currículos?
Por fim, aperreado, a contragosto, o Coronel terminara
por ceder e concordar.
Pesara em sua decisão o parecer do
doutor Hernani Tavares, juiz do cível em Ilhéus, que, a par da carta de
Venturinha, louvara-lhe a idéia de inscrever-se num curso sobre Direito de
Propriedade da Terra, novidade em matéria de estudos jurídicos, utilíssimo sobretudo
em região de tantos conflitos pela posse da terra, de medonhos caxixes.
Fora sensível igualmente ao gosto pelo
estudo demonstrado pelo filho na conversa que começara no cair da tarde, depois
que os convidados para o almoço se despediram, e se prolongara noite adentro.
Não bastava, disse Venturinha na pausa do jantar, possuir canudo e anel com
rubi, queria realmente sentir-se preparado para exercer como devido a advocacia
e a política.
Buscava alcançar o saber dos mestres,
pretendia ser um deles. No balanço de debates não se deve esquecer os
argentinos, vindos de tão longe para acompanhar curso ditado no Brasil: também
eles pesaram na sentença final do Coronel.
Coagido mas não zangado. Triste por ver o
filho ausentar-se novamente:
-
Até o fim do ano, vá lá. No Ano-Novo quero que esteja aqui ,
estou ficando velho e cansado.
O Curso Livre sobre Direito de
Propriedade da Terra, aberto
a quantos bacharéis dele qui sessem participar, destinava-se sobretudo a
fornecer créditos àqueles que pretendiam fazer concurso para cargos públicos
nos Ministérios da Agricultura e da Justiça, para a magistratura.
Venturinha dele soubera por acaso,
correra a se inscrever mas raramente o frequentava. Quanto a advogados argentinos,
em verdade nem um único viera beneficiar-se com as luzes dos eminentes mestres
brasileiros.
Por vias indirectas, beneficiava-se do
Curso Livre a argentina
Adela La Porteita , na intimidade
Adelita Chucha de Oro, “procedente dos teatros de Buenos Aires, onde colhia
aplausos e ovações”, para assassinar tangos nos cabarés do Rio de Janeiro:
cobrava preço de cantora e não de puta.
Estrangeira e artista, para o moço grapiúna
tê-la em propriedade privada era o máximo, a glória excelsa. Ademais, doida por
ele, perdidamente apaixonada: “por vós yo me rompo toda!”
7
Dos transcendentes estudos de Venturinha,
o árabe Fadul
Abdala veio a saber pelo próprio quando,
dias depois, o viajante deteve-se em Tocaia Grande acompanhado pelo capitão Natário da
Fonseca e por dois cabras armados.
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