quinta-feira, outubro 30, 2014

Prenha?
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 85


















Tarde demais para se arrepender e dar o fora. Também o Senhor Deus dos maronitas surgia cavalgando trovoadas, mostrava-se ao clarão do raio em noites de borrasca para cobrar-lhe o trato feito.

Cruzando a inata por atalhos ínvios, trouxera Fadul Abdala pela mão até o lugar onde cumprir o seu destino: ganhar dinheiro honesto com trabalho e suor, enriquecer sem necessidade de se tomar sócio menor, pau-mandado de ricaço, marido de mulher falada.

A verde cobra-espada. A canseira da noite, a alvorada dos tropeiros, a solidão. Ficar aqui, Senhor, labutando, purgando minhas penas? Em Ilhéus me esperam mesa farta, cama macia, vida fácil e a formosa das formosas, cabaço de begume, de princesa muçulmana.

Nuvem imensa cobrindo o céu, o Senhor Deus dos maronitas se desmanchava em nuvens e em chuva na fímbria da manhã, deixando o libanês a digerir sozinho virgens e incertezas.

9

Quando, depois de muito matutar, de pesar o pró e o contra, Fadul decidira retornar a ilhéus para levar avante o projecto de matrimónio proposto por Jamil Skaf, aconteceu o coronel Robustiano de Araújo passar por Tocaia Grande, a caminho da Fazenda Santa Mariana.

Após demorar-se com o velho Gerino, chefe dos cabras que guardavam o depósito de cacau seco, parou a montaria em frente à bodega de Fadul.

 Vinha de Ilhéus e trazia-lhe um recado do amigo Álvaro Faria, aquele descansado boa-vida que, nos bares, nas salas de jogo, no cabaré, comentava, com a vivacidade que lhe era habitual, a crónica da cidade.

 Pedira-lhe para não se esquecer de repetir ao árabe Fadul detalhes da festa de casamento da Filha de Jamil Skaf.

Quem, Aruza? Mas se dois meses antes não era sequer noiva, como se casara assim tão de repente? O coronel Robustiano de Araújo colocou as duas mãos diante da barriga, em expressivo gesto.

Prenha? Se não estava, deveria estar, segundo as más-línguas cochichavam. Aruza e o doutor Epitácio Nascimento, bacharel sem causas, haviam enfrentado as lágrimas de dona Jordana e a fúria de Jamil e tinham confessado o mau passo, fruto de amor desesperado.

O moço advogado desembarcara havia pouco tempo de um navio da Bahiana, disposto a fazer carreira rápida e a fizera.

De nada adiantando lamúrias e recriminações, Jamil Skaf, homem prático, apressara o casamento para que a filha pudesse ostentar no altar grinalda e véu, flores virginais de laranjeira.

 Se demorasse, a barriga poderia despontar, pois, repetiu rindo o Coronel, para isso haviam feito o necessário.

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