Largo do Seminário em Santarém |
HOJE É
DOMINGO
(Na minha cidade de Santarém
em 9/11/14)
Era o dia 18 de Abril de 1951, a manhã estava
soalheira e a velhinha camioneta do Colégio de S. João de Brito, de jesuítas, à
data o espaço com maior densidade de meninos ricos por metro quadrado da
cidade de Lisboa, regressava ao ponto de partida depois de ter recolhido os
alunos para mais um dia de aulas, muitas rezas e ponta pés na bola nos
intervalos.
Eu era dos primeiros a embarcar
juntamente com outro colega, o Jorge Manuel Barahona Vanzeler - há nomes assim, colam-se a nós e por cem
anos que vivamos temo-los sempre na ponta da língua - menino de família rica e de sangue azul, como se percebe...
Morava na ponta oriental da cidade, uma zona
operária, numa espécie de palacete revestido a azulejos verdes, muito bonitos, com umas
estatuetas na parte superior, sobre - elevado à rua, com terraço a toda a
largura do prédio de dois pisos, gradeamento e uma pequena escadaria que dava
para um portão de acesso ao terraço.
Saímos daquela casa, onde nasci, com dez anos
de idade sem nuca ter sabido porque a construíram ali.
Provavelmente, no princípio do século quando foi construída, antes da linha de comboio que quase a atropelou, tal a proximidade a que a ponte por onde ele passava se encontrava da parede do prédio, aquela localização, num lugar chamado de Poço do Bispo, seria então fora de portas da cidade que tendo evoluído para a instalação de fábricas e sido atravessado pela linha do comboio, ficou desqualificada provocando o desgosto do seu proprietário que a resolveu alugar ao meu pai por 400 escudos mensais, hoje, duas simples moedas de 2 euros.
Provavelmente, no princípio do século quando foi construída, antes da linha de comboio que quase a atropelou, tal a proximidade a que a ponte por onde ele passava se encontrava da parede do prédio, aquela localização, num lugar chamado de Poço do Bispo, seria então fora de portas da cidade que tendo evoluído para a instalação de fábricas e sido atravessado pela linha do comboio, ficou desqualificada provocando o desgosto do seu proprietário que a resolveu alugar ao meu pai por 400 escudos mensais, hoje, duas simples moedas de 2 euros.
Eu não era de sangue azul nem tinha a riqueza
do Jorge Manuel, o meu sobrenome era simplesmente Paula de Matos que nada tinha
a ver com o de Barahona Vanzeller...
Por isso,
a camioneta do Colégio o ia buscar ao solar, o palácio dos Vanzelleres, mas não avançava
mais. Eu vivia ainda para lá, mesmo no extremo oriental e por isso vinha de
carro eléctrico até à porta do seu solar e antes de tomarmos a camioneta ele
despedia-se da jovem criada que o acompanhava à porta impecavelmente fardada de
negro com punhos e gola brancos, enquanto que eu descia do eléctrico na paragem
em frente e despedia-me do condutor que já me conhecia, e lá íamos em amena
cavaqueira atravessando toda a cidade até ao outro extremo onde ficava o Colégio de São João de Brito, então a funcionar num grande palacete no centro de uma enorme
qui nta que os jesuítas deviam ter
comprado.
O Jorge Manuel era um rapazinho simpático, sem peneiras, como seria de esperar, e gostávamos muito de conversar sobre as aventuras e histórias que líamos.
A viagem decorria sempre de forma pachorrenta à
medida que íamos recolhendo mais colegas. A nossa camioneta, provavelmente,
ainda do tempo de antes da II G.G. - em 1951 já era velhinha - não devia dar
mais do que 40 a
50 Km/h ,
mas como então não havia trânsito talvez levasse menos tempo a atravessar a
cidade de ponta a ponta do que hoje um moderníssimo autocarro.
Tinha formas arredondadas e uma alcunha carinhosa
que na minha memória não resistiu aos anos e vai ficar para sempre debaixo
da língua.
Finalmente, depois de percorrer toda
a Av. das Linhas de Torres, abrandava, virava à direita e parava junto ao
portão da qui nta.
O motorista
tocava o “klacson”, como então se dizia, até que um trabalhador apressado lá o
vinha abrir.
- Morreu o Carmona, morreu o Carmona, vamos para casa!
Era o Ary, inconfundível, exuberante,
esfusiante, meio louco, que por morar ali perto chegava primeiro que nós e
soube logo da notícia pois as sobrinhas do Presidente tinham ido à capela do Colégio,
ainda de madrugada, encomendar a Deus a alma do tio.
O Ary era uma explosão de energia, de
irreverência, que escandalizava e surpreendia quando saltava para as costas do
padre, professor de português, rodeava-lhe o pescoço com os braços e o obrigava
a correr como se fosse um cavaleiro.
O Ary era uma força da natureza e se
alguém poderia escrever os versos que se seguem, pela sua genialidade, esse
alguém só poderia ser o José Carlos Ary dos Santos, génio da palavra, que a si
próprio se definia:
“Poeta de combate disparate
Palavrão de machão no escaparate
Porém morrendo aos poucos de ternura”
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