As visitas do padrinho, a razão da sua vida. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 124
Proprietário orgulhoso de tal
preciosidade, Gerino exibia a pintura às raparigas e aos tropeiros, repetindo
informações ouvidas do Coronel: nas estranjas faz um frio da disgrama e o
barril está cheinho de cachaça para socorrer os necessitados.
Calendário mais bonito e educativo não
se podia desejar, porém inconstante e inseguro, pois o velho Gerino passava
dias e dias sem arrancar as páginas da folhinha, e quando se lembrava fazê-lo,
para atender à recomendação do Coronel, as retirava ao deus-dará: uma, duas, nunca
mais de três para economizá-las, letras e números incompreensíveis para a quase
totalidade residentes e passantes.
A
vida decorria em permanente atraso e ninguém poderia garantir com exactidão se
estavam nos fins Março ou nos começos de Abril, se era quarta-feira ou sábado.
E domingo, dia santo?
Naquele então, o Domingo não existia em Tocaia Grande. Sem
saber se as chuvas cairiam adiantadas ou atrasadas, tornava-se difícil
conjecturar sobre o volume das colheitas temporão e na safra, prever a
quantidade de cacau a ser produzidas pelas roças e fazendas na extensão do rio
das Cobras, o montante da abastança.
Atrapalhação e barafunda: a alguns pouco
importava mas outros se inqui etavam
e se afligiam. O turco Fadul tinha dinheiro a receber de fregueses a quem fiara
ou emprestara a juros, pagamentos a efectuar a fornecedores, datas precisas
umas e outras, anotadas em árabe num caderno.
Merência considerava o Domingo dia de descanso
obrigatório conforme ordena e exige a lei de Deus - do Deus da presumida
oleira, visto que o Deus de Fadul, menos ortodoxo, permitia o comércio
dominical obviamente com justa elevação de preços e de lucros.
Bernarda se agoniava tentando adivinhar os
dias felizes das visitas do padrinho.
As visitas do padrinho, razão de sua
vida. Antes, rápida parada - ai, rápida demais! - na ida e na volta entre as
fazendas da Atalaia e da Boa Vista; ultimamente passara a demorar em companhia
de Bernarda a noite inteira: ai, noite curta demais!
Devido ao absurdo calendário de Gerino,
até o capitão Natário da Fonseca viu-se obrigado a alterar hábitos e horários.
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O que dá para rir dá para chorar e
vice-versa, afirmam as putas com conhecimento de causa. Bernarda comprovou o
acerto do provérbio, pelo direito e pelo avesso, no diminuto e infinito curso de
uma noite.
Foi a partir da tenebrosa noite do pior
dos abandonos, quando o sentiu perdido para sempre, que o padrinho resolveu modificar
os horários e ampliar a exígua medida da bem - aventurança.
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