Não falou em ir-se embora... |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 114
O colérico diálogo com o Altíssimo
serviu para aliviar-lhe o coração sujeito a pena tão medonha. Deus não o
abandonara, apenas expusera seu carácter e sua fé à prova bem mais difícil do que
os pesadelos com Zezinha nua e inatingível.
Ao mesmo tempo, salvara-lhe a vida retirando-o
de Tocaia Grande por ocasião do assalto.
Viram-no silenciar, apaziguado.
Demorou-se a olhar a desordem e o lixo como se qui sesse
guardar consigo aquela imagem tatuada nas entranhas.
Depois, chamou Lupiscínio ali presente e lhe
deu ordens precisas: começar o trabalho pelo balcão e pelas prateleiras, a cama
não tinha tanta pressa. No mesmo dia em que chegou e constatou a desgraceira,
seu Fadu voltou a servir à freguesia.
De moto próprio não falava no
acontecido. Quando puxavam o assunto não se negava à conversa mas respondia com
prudência, aparentando calma e resignação.
Não reclamou de ninguém se ter mexido em
defesa das portas da residência e do negócio, encontrando para tal
comportamento desculpa e explicação: só um louco arriscaria a vida para acudir
a sacos de açúcar, a carretéis de linha.
Pelo próprio Gerino soube do intento de Bernarda
e de como fora difícil mantê-la no barracão a salvo da morte e de uma geral dos
jagunços.
Se vissem aquela boniteza querendo se meter na
vida deles, adeus Bernarda! Antes de acabar com ela se serviriam na forma do
previsto: os três na mesma ocasião e na brutalidade, sob o comando de Janjão
Fanchão, o comedor de cu.
O
turco apoiara a conduta do velho: fizera muito bem, Bernarda sofria da moleira.
Não falou em ir-se embora comerciar
noutro lugar, menos exposto, ou retornar à vida de mascate: como se o assalto
houvesse reforçado a decisão de fixar-se em Tocaia Grande.
Perdera, porém, aquela alegria esfuziante,
a jovialidade; não pilheriava, não debochava com os fregueses, como antes. Não
se via um sorriso nos seus lábios por mais que o provocassem.
Que fim levara o turco contador de
histórias, farsante e falastrão, cheio de inventiva e graça, o ai-jesus das raparigas?
Inqui etas,
elas se perguntavam se, um dia, seu Fadu voltaria a rir e a chalacear.
Enterrado no trabalho com o afinco e a
ganância conhecidos, superara o desgosto, a raiva do prejuízo considerável. Mas
persistia uma mágoa a castigar-lhe o peito, a impedir-lhe o sono, roendo-o por
dentro sem lhe dar sossego: a impossibilidade de vingar-se.
Doía-lhe saber em liberdade os jagunços
que haviam invadido sua propriedade, destruindo e roubando bens valiosos:
viviam à tripa forra, longe do alcance de suas mãos. Fadul sentia- se infeliz, de
mal com a vida triste e feia.
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