quarta-feira, dezembro 03, 2014

Não falou em ir-se embora...
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 114


















O colérico diálogo com o Altíssimo serviu para aliviar-lhe o coração sujeito a pena tão medonha. Deus não o abandonara, apenas expusera seu carácter e sua fé à prova bem mais difícil do que os pesadelos com Zezinha nua e inatingível.

 Ao mesmo tempo, salvara-lhe a vida retirando-o de Tocaia Grande por ocasião do assalto.

Viram-no silenciar, apaziguado. Demorou-se a olhar a desordem e o lixo como se quisesse guardar consigo aquela imagem tatuada nas entranhas.

 Depois, chamou Lupiscínio ali presente e lhe deu ordens precisas: começar o trabalho pelo balcão e pelas prateleiras, a cama não tinha tanta pressa. No mesmo dia em que chegou e constatou a desgraceira, seu Fadu voltou a servir à freguesia.

De moto próprio não falava no acontecido. Quando puxavam o assunto não se negava à conversa mas respondia com prudência, aparentando calma e resignação.

 Não reclamou de ninguém se ter mexido em defesa das portas da residência e do negócio, encontrando para tal comportamento desculpa e explicação: só um louco arriscaria a vida para acudir a sacos de açúcar, a carretéis de linha.

Pelo próprio Gerino soube do intento de Bernarda e de como fora difícil mantê-la no barracão a salvo da morte e de uma geral dos jagunços.

 Se vissem aquela boniteza querendo se meter na vida deles, adeus Bernarda! Antes de acabar com ela se serviriam na forma do previsto: os três na mesma ocasião e na brutalidade, sob o comando de Janjão Fanchão, o comedor de cu.

 O turco apoiara a conduta do velho: fizera muito bem, Bernarda sofria da moleira.

Não falou em ir-se embora comerciar noutro lugar, menos exposto, ou retornar à vida de mascate: como se o assalto houvesse reforçado a decisão de fixar-se em Tocaia Grande.

Perdera, porém, aquela alegria esfuziante, a jovialidade; não pilheriava, não debochava com os fregueses, como antes. Não se via um sorriso nos seus lábios por mais que o provocassem.

Que fim levara o turco contador de histórias, farsante e falastrão, cheio de inventiva e graça, o ai-jesus das raparigas?

Inquietas, elas se perguntavam se, um dia, seu Fadu voltaria a rir e a chalacear.

Enterrado no trabalho com o afinco e a ganância conhecidos, superara o desgosto, a raiva do prejuízo considerável. Mas persistia uma mágoa a castigar-lhe o peito, a impedir-lhe o sono, roendo-o por dentro sem lhe dar sossego: a impossibilidade de vingar-se.


Doía-lhe saber em liberdade os jagunços que haviam invadido sua propriedade, destruindo e roubando bens valiosos: viviam à tripa forra, longe do alcance de suas mãos. Fadul sentia- se infeliz, de mal com a vida triste e feia.

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