sábado, janeiro 31, 2015

Os filhos aguardavam a idade da partida e do adeus
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 162


















Nos alforjes e nos corações conduziam breves contra febres e mordidas de cobra, lembranças e conselhos, faces queridas, lágrimas e soluços.

 Pai e mãe, mulher e filhos permaneciam em Sergipe na promessa e na espera, ilusórias razões de vida resgatadas lentamente pelos velhos na quietude da loucura mansa. As ressentidas vitalinas, essas trancavam-se com as chagas de Cristo na solidão histérica dos casarões, em uivos e blasfêmias.

 Os filhos aguardavam a idade do adeus e da partida.

Nos caminhos poucos casais, sobretudo com crianças. Raramente família numerosa, machos e fêmeas, idosos e moços, avós, filhos e netos. Acontecia porém: juntos haviam decidido empreender a travessia, juntos pretendiam permanecer. Clã ancestral, vigorosas raízes, laços profundos de sangue e substância.

Terminavam por se dispersar na pugna do cacau: nas plantações, nas cozinhas das casas-grandes, nas tocaias, nas casas de putas.

 Violados os fundamentos, novos valores se impunham.

Cruzavam-se hábitos, maneiras de festejar e de chorar. Misturavam-se sergipanos, sertanejos, levantinos, línguas e acentos, odores e temperos, orações, pragas e melodias. Nada persistia imutável nas encruzilhadas onde se enfrentavam e se acasalavam pobrezas e ambições provindas de lares tão diversos.

Por isso se dizia grapiúna para designar o novo país e o povo que o habitava e construía.

Diligentes e obstinados, os sergipanos povoaram o território do cacau. Trabalho não faltava, enriquecer acontecia: matéria para trova e sonho, convite para calçar as alpargatas e partir.

Mantinham certa solidariedade entre si, ajudavam-se sempre que possível.

Alguns, ao desembarcar em Ilhéus, traziam endereço certo: a fazenda de um conterrâneo, Coronel cuja fama de riqueza alimentava conversas e redondilhas nos dias pobres das cidades vazias de homens.

Quando Natário fugira de Propriá, trouxera recado de um parente, vago primo distante, para o coronel Boaventura Andrade.

Em clima de risco, é mais seguro confiar num conterrâneo.

3

O capitão Natário da Fonseca suspendeu o passo da alimária
à aproximação da farândola para melhor corresponder ao cumprimento do velho, repetido num eco de vozes cansadas: bastardes.

O velho retirou o chapéu para pedir a informação. Queria saber se trilhavam o rumo certo das fazendas estabelecidas nas matas do rio das Cobras e se era verdade que naqueles lados estavam contratando trabalhadores.

Site Meter