Os filhos aguardavam a idade da partida e do adeus |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 162
Nos alforjes e nos corações conduziam breves
contra febres e mordidas de cobra, lembranças e conselhos, faces queridas,
lágrimas e soluços.
Pai e mãe, mulher e filhos permaneciam em
Sergipe na promessa e na espera, ilusórias razões de vida resgatadas lentamente
pelos velhos na qui etude da loucura
mansa. As ressentidas vitalinas, essas trancavam-se com as chagas de Cristo na
solidão histérica dos casarões, em uivos e blasfêmias.
Os filhos aguardavam a idade do adeus e da
partida.
Nos caminhos poucos casais, sobretudo
com crianças. Raramente família numerosa, machos e fêmeas, idosos e moços,
avós, filhos e netos. Acontecia porém: juntos haviam decidido empreender a
travessia, juntos pretendiam permanecer. Clã ancestral, vigorosas raízes, laços
profundos de sangue e substância.
Terminavam por se dispersar na pugna do
cacau: nas plantações, nas cozinhas das casas-grandes, nas tocaias, nas casas
de putas.
Violados os fundamentos, novos valores se
impunham.
Cruzavam-se hábitos, maneiras de
festejar e de chorar. Misturavam-se sergipanos, sertanejos, levantinos, línguas
e acentos, odores e temperos, orações, pragas e melodias. Nada persistia
imutável nas encruzilhadas onde se enfrentavam e se acasalavam pobrezas e
ambições provindas de lares tão diversos.
Por isso se dizia grapiúna para designar
o novo país e o povo que o habitava e construía.
Diligentes e obstinados, os sergipanos
povoaram o território do cacau. Trabalho não faltava, enriquecer acontecia:
matéria para trova e sonho, convite para calçar as alpargatas e partir.
Mantinham certa solidariedade entre si,
ajudavam-se sempre que possível.
Alguns, ao desembarcar em Ilhéus,
traziam endereço certo: a fazenda de um conterrâneo, Coronel cuja fama de
riqueza alimentava conversas e redondilhas nos dias pobres das cidades vazias de
homens.
Quando Natário fugira de Propriá,
trouxera recado de um parente, vago primo distante, para o coronel Boaventura
Andrade.
Em clima de risco, é mais seguro confiar
num conterrâneo.
3
O capitão Natário da Fonseca suspendeu o
passo da alimária
à aproximação da farândola para melhor
corresponder ao cumprimento do velho, repetido num eco de vozes cansadas:
bastardes.
O velho retirou o chapéu para pedir a
informação. Queria saber se trilhavam o rumo certo das fazendas estabelecidas
nas matas do rio das Cobras e se era verdade que naqueles lados estavam contratando
trabalhadores.
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