(Jorge Amado)
Episódio Nº 161
A
seu flanco, em vez de trombeta, o arcanjo anunciador conduzia uma lazarina,
exercitava a pontaria.
Comparsa na procissão das chagas,
mensageiro da demência,
apaniguado de Bom Jesus e da Virgem Mãe,
o imberbe pregoeiro tocara as extremidades do horror, bailara na festa dos moribundos,
recebera as cinzas da quaresma, queimara judas na aleluia.
Nos testamentos de Judas restava para o povo o
assombro dos prodígios e o pagamento das promessas - ah, terra de pobreza e iniqui dade! Nos limites do cacau não existiam romarias nem
milagres.
2
Sucediam-se as levas de sergipanos nos
derroteiros do rio das
Cobras, adentrando-se pelas matas; as
fazendas recentes reclamavam trabalhadores. De passagem, abasteciam-se no
comércio de Fadul, banhavam-se na
correnteza, recolhiam informações.
Do dinheiro
contado e recontado, alguns mais avexados subtraíam
moedas para o desalívio de mulher. Lugar bonito, aquele.
Na desvalida pátria sergipana ouviam-se
maravilhas, narrativas fantásticas sobre as terras do sul da Bahia e a lavoura
do cacau.
Terras férteis, muitas ainda devolutas -
era chegar e tomar
Posse - lavoura sem igual, mina de ouro.
Trabalho sobrando na foice, na enxada, no tanger dos burros, no corte do facão,
no clavinote.
Quem tivesse ambição, fosse disposto e
soubesse aproveitar a sorte, poderia enriquecer.
Recitavam-se casos nas feiras, exemplos
comprovados, a pura verdade. A história em versos do coronel Henrique Barreto,
o
Rei do Cacau, passava de boca em boca,
de ouvido em ouvido, na consonância das violas: “Morto de fome, saiu de Simão
Dias...”
Arribara mocinho, “seu capital, um toco
de facão”. De inicio, alugado, depois tropeiro, “tangendo burro noite e dia”.
Pusera bodega num arruado “pra vender
cachaça e munição”, juntara o necessário para comprar uma braça de terra, “nela
botara roça de cacau” e quando deu de si “virara um grande potentado”.
Rei do Cacau, o coronel Henrique Barreto,
nascido e criado na miséria em
Simão Dias : nas festas de fim de ano, enviava alguns trocados
para os parentes que por lá prosseguiam à míngua, apáticos sergipanos.
Ele, o Coronel, tornara-se grapiúna.
Nas estradas e atalhos cruzavam-se
bandos de homens jovens
ou na força da idade, casados e solteiros.
Tomavam o rumo
do sul da Bahia, abandonando os campos
feudais, as pequenas cidades mortas, apenas alcançavam a idade da razão ou
quando perdiam a última esperança de encontrar trabalho e pagamento.
Adeus, meu pai, minha mãe, me botem sua
bênção, vou enricar em
Itabuna. Adeus , mulher e filhos, vou na frente ganhar
dinheiro em Ilhéus para a viagem de vancês.
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