sexta-feira, janeiro 30, 2015

Rei do cacau, o coronel Henrique Barreto.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 161




















A seu flanco, em vez de trombeta, o arcanjo anunciador conduzia uma lazarina, exercitava a pontaria.

Comparsa na procissão das chagas, mensageiro da demência,
apaniguado de Bom Jesus e da Virgem Mãe, o imberbe pregoeiro tocara as extremidades do horror, bailara na festa dos moribundos, recebera as cinzas da quaresma, queimara judas na aleluia.

 Nos testamentos de Judas restava para o povo o assombro dos prodígios e o pagamento das promessas - ah, terra de pobreza e iniquidade! Nos limites do cacau não existiam romarias nem milagres.

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Sucediam-se as levas de sergipanos nos derroteiros do rio das
Cobras, adentrando-se pelas matas; as fazendas recentes reclamavam trabalhadores. De passagem, abasteciam-se no comércio de Fadul, banhavam-se na correnteza, recolhiam informações.

 Do dinheiro contado e recontado, alguns mais avexados subtraíam moedas para o desalívio de mulher. Lugar bonito, aquele.

Na desvalida pátria sergipana ouviam-se maravilhas, narrativas fantásticas sobre as terras do sul da Bahia e a lavoura do cacau.

Terras férteis, muitas ainda devolutas - era chegar e tomar
Posse - lavoura sem igual, mina de ouro. Trabalho sobrando na foice, na enxada, no tanger dos burros, no corte do facão, no clavinote.

Quem tivesse ambição, fosse disposto e soubesse aproveitar a sorte, poderia enriquecer.

Recitavam-se casos nas feiras, exemplos comprovados, a pura verdade. A história em versos do coronel Henrique Barreto, o
Rei do Cacau, passava de boca em boca, de ouvido em ouvido, na consonância das violas: “Morto de fome, saiu de Simão Dias...”

Arribara mocinho, “seu capital, um toco de facão”. De inicio, alugado, depois tropeiro, “tangendo burro noite e dia”.

Pusera bodega num arruado “pra vender cachaça e munição”, juntara o necessário para comprar uma braça de terra, “nela botara roça de cacau” e quando deu de si “virara um grande potentado”.

 Rei do Cacau, o coronel Henrique Barreto, nascido e criado na miséria em Simão Dias: nas festas de fim de ano, enviava alguns trocados para os parentes que por lá prosseguiam à míngua, apáticos sergipanos.

Ele, o Coronel, tornara-se grapiúna.

Nas estradas e atalhos cruzavam-se bandos de homens jovens
ou na força da idade, casados e solteiros. Tomavam o rumo
do sul da Bahia, abandonando os campos feudais, as pequenas cidades mortas, apenas alcançavam a idade da razão ou quando perdiam a última esperança de encontrar trabalho e pagamento.

Adeus, meu pai, minha mãe, me botem sua bênção, vou enricar em Itabuna. Adeus, mulher e filhos, vou na frente ganhar dinheiro em Ilhéus para a viagem de vancês.

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