quinta-feira, janeiro 29, 2015

Vou embora, Tição
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 160

















Epifânia pulou fogueira com Zuleica, fizeram-se comadres. O momento supremo foi o da largada do balão, surpresa para todos exceto para Tição e Coroca. Chuviscava apenas: encheram-no de fumaça ao pé da fogueira maior, no descampado onde se concentraram. Acenderam a mecha, o balão subiu ao céu e nele se perdeu.

Antes de desaparecer, confundiu-se com as estrelas raras e opacas: estrela de mentira era a mais bela.

Festejaram, ainda, a noite de São Pedro para dar cabo do licor de jenipapo de Cotinha e aproveitar a presença de Pedro Cigano com o fole.

Dias, depois, de manhãzinha, Castor acabara de cuidar dos cascos de Rosedá, madrinha da tropa de Elísio - depois de tê-los aparado com o puxavante, ele os brindara com quatro polidas ferraduras - quando viu Epifânia à espera, pronta para partir: haviam passado a noite juntos e ela nada anunciara.

A trouxa na cabeça, pequeno amarrado com trapos e chinelas, seus pertences.

- Vou embora, Tição. - Ia aproveitar a tropa de Elísio para não viajar sozinha. - Posso levar o abebê que tu fez pra mim?

- Nos olhos e na voz a decisão, uma ponta de tristeza e o rude orgulho.

Tição entregou-lhe o espelho de latão que figurava Oxum no peji dos orixás. Não pediu que ela ficasse, apenas disse:

- Vou me lembrar de ocê a vida toda.

Epifânia estendeu a ponta dos dedos: descalça, a trouxa em cima da carapinha, o abebê na mão, seguiu a tropa no destino de Taquaras.

Alma Penada a acompanhou durante um bom pedaço, mas ao entender que a negra ia de vez, arrepiou caminho e voltou a se deitar no calor da forja.

 Continuava feio e magro; revelara-se porém, valente e bom de caça. Guardava a oficina e os passos de Tição.


O CAPITÃO NATÁRIO DA FONSECA ENCONTRA NA ESTRADA UMA FAMÍLIA DE SERGIPANOS E A ENCAMINHA PARA TOCAIA GRANDE

1

Para ser um grupo de romeiros faltavam apenas a cantoria e os cães, refletiu o capitão Natário da Fonseca ao avistar a caravana.

Adolescência vadia, Natário não enjeitara festa de santo milagreiro nas barrancas do rio São Francisco onde nascera.

Fora guia de cego, chamego de mulher-dama, zagal de beato. Cavalgando a besta do Apocalipse, o beato Deoscóredes marchava impávido para o dia do juízo final conclamando penitentes nas vésperas do fim do inundo.

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