sexta-feira, fevereiro 20, 2015

Vou indo como Deus permite
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 179



















Zilda trouxera com ela dois filhos: Edu, o mais velho, moleque taludo de treze anos, a figura do pai cagada e cuspida, e o último, nascido no fim das lutas, pouco depois de Natário ter ganho as tarefas de terra onde plantara as roças de cacau, afilhado do coronel Boaventura e de sua nédia e santa esposa, dona Ernestina.

Em honra da madrinha recebera na pia batismal o nome de Ernesto.

Delicada de corpo, frágil de aparência, em verdade saudável e disposta, Zilda desembarcou arregaçando a barra da saia. A afilhada beijou-lhe a mão:

- A bênção, minha dinda.

- Deus te abençoe, minha filha. Bom dia, Coroca, tu tá cada vez mais forte.

- Vou indo como Deus permite.

Natário desmontara, afrouxava a cilha da mula. Pretendia prosseguir viagem apenas houvesse mostrado a Zilda a colina onde iam erguer a casa à beira do pé de mulungu.

Ernesto desceu do carro arrastando um cachorrinho amarrado com uma corda. Assustado, o animal resistia, mostrava os dentes.

Tocando com a ponta dos dedos a mão estendida de Castor Abduim, presente à recepção, Zilda comunicou:

- É uma cadelinha que trouxe pra vosmicê, seu Tição. Tá com um mês de nascida; Negrinha teve uma ninhada de seis. Diz que vosmicê tem um cachorro, tá aí uma mulher pra ele.

Riu um riso breve, agradável. Os que a conheciam apreciavam a maneira como ela cuidava da casa e criava os filhos, os de sangue e os recolhidos: mulher como se requeria para um tal marido.

Devotada, discreta e decidida.

- Vai ter que esperar ela crescer...  - Avisou o negro a Alma
Penada que saltava em torno, indócil.

Tição afagou o focinho da cadelinha, coçou-lhe a barriga e a colocou no chão. Alma Penada tocou-a com a pata, rosnou de brincadeira. Oferecida, disse Tição assim designando-a por tê-la recebido de presente e por vê-la, minúscula e atrevida, saltitar provocando o vira-lata.

Puxando Edu pela orelha, também Natário dirigiu-se a Castor:

- Vancê vai ganhar de troco esse moleque aqui, o meu mais velho, Eduardo. Vai ficar com vancê pra aprender o ofício.

Faça dele um bom ferreiro como ocê.

- Pode deixar por minha conta.

- Vam’entrar. — Convidou Coroca.

No fogo a lata com o café recém-coado. O de-comer sobren a mesa improvisada num caixão de querosene: fruta-pão cozida, carne-seca chamuscada, farinha, inhame, jaca mole e mangas coração-de-boi, verdes de cor, maduras de gosto, grandonas, incomparáveis. Mal provaram do banquete pois Natário dava pressa:

- Vambora que eu quero me tocar pra roça. Ocês vão ter muito tempo pra conversar.

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