Mas se fugia era para perto... |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 206
Depois, cansados, línguas pendentes,
deitavam-se aos pés do amigo, em busca de um agrado. Alma Penada só se revelava
descontente quando Oferecida, valendo-se da pouca idade e do tamanho reduzido,
saltava para o colo de Tição para que ele a coçasse atrás das orelhas e na barriga.
Enciumado, o cachorro erguia-se nas
patas traseiras e, apoiando-se nas pernas do ferreiro, expulsava a intrometida
e punha em seu lugar, no regaço de Tição, a feia cabeçorra.
Um
dia porém tudo mudou e sem motivo aparente Oferecida estranhou o companheiro.
Parecia ter sido ontem e no entanto
mais
de meio ano havia transcorrido da primeira visita de Zilda a Tocaia Grande: a
mulher do Capitão retirara a bichinha do carro de boi e a depusera no chão, em
frente à casa de Bernarda. Imediatamente ela provocara Alma Penada e ele
começara a fazer gato e sapato daquela oferecida.
Oferecida,
disse Tição designando-a pelo nome. Por sinal fora então que o calendário
começara a andar em ritmo acelerado e inesperadamente Oferecida mostrou os
dentes ao ver Alma Penada aproximar-se para dar início ao quotidiano torneio de
folguedos.
Latiu
irada e o mordeu quando ele insistiu em recomeçar as inocentes correrias, virar
cambalhotas no terreiro. Durante alguns instantes Alma Penada permaneceu
desarvorado, sem entender o que estava acontecendo. Mais eis que ele também se
transformou, deixou de ser o irreflectido brincalhão.
O relacionamento entre eles modificou-se por
completo. Ela passou a fugir como se o temesse, a evitá-lo como se o desprezasse,
repelia-o quando ele se acercava. Mas se fugia era para perto, se o evitava era
por segundos e, se o repelia, mais ainda o procurava, olhando-o de viés,
exibindo-lhe as traseiras.
Abandonando hábitos assentados e
deleitáveis, Alma Penada descuidava-se de latir para os comboios, de saltar em
torno aos burros, perdera a fome - a fome voraz de Alma Penada que nenhuma comida
saciava - chegava ao absurdo de deixar Castor partir sozinho para a caça ao
raiar do dia.
Desvairado em torno da cadela, preso ao odor
que se desprendia dos lábios da vagina inchada, destilando sangue.
Durante uns poucos dias, Alma Penada
rondou Oferecida, sujeitando-se com paciente obstinação às negaças, ao
desprezo, à recusa, à violência das dentadas. Disposto a conqui stá-la e a conqui stou.
Mas não seria por acaso tudo quanto a cadela desejava?
Oferecida foi deixando de rosnar, de
fugir, de arreganhar os dentes, permitiu que ele aproximasse o focinho,
cheirasse a vulva intumescida, que
nela passasse a língua ávida e lambesse o
sangue que a cobria.
Certa tarde, no terreiro em frente à
oficina, diante dos olhos acesos de Nando e de Edu que o açulavam, na presença
do negro Castor, do Turco Fadul e de Coroca empenhados numa prosa descosida, Alma
Penada conseguiu enfiar o prego - rola
de cachorro é igual a um prego de cabeçorra, explicava Edu experiente na criação
de vira-latas - nas férteis entranhas de Oferecida.
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