Não quer entrar, menina Diva? |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 211
Pôde
então contemplar as coxas nuas e a bunda mal coberta pela calçola, coxas e
bunda de mulher. Para rever-lhe o rosto que sempre achara lindo, uma galanteza,
e medir-lhe o busto, rondando por ali esperou que ela descesse.
Viu-a
de corpo inteiro, endoideceu e nunca mais a tratou de menina Diva. Mas
continuou a achá-la estouvada, com um parafuso a menos na cachola.
Dantes
ela vinha correndo com Ção e Nando pelo descampado
em
busca de Edu, para tirá-lo do trabalho e irem os quatro caçar
teiús na mata, armar alçapões para os passarinhos, tascar pião - nas horas
vagas a diversão de Balbino era manufacturar piões que fornecia a um vendedor na
feira de Taquaras - ou empinar arraias feitas por Merência também nas horas
vagas, cada qual mais colorida e mais valente.
Nando
e Ção entravam oficina adentro, Diva jamais. Ficava fora da porta a espiar.
Tição fitava-lhe o rosto angélico, descansava o malho, convidava:
- Não quer entrar, menina Diva?
Fazia
que não com a cabeça e, sem esperar pelos outros, saía a correr como se fugisse
dele, temerosa: temerosa de que, pelo amor de Deus? A princípio ele estranhou,
depois deixou de reparar: raro o dia em que ela não se mostrava nas vizinhanças
da oficina, dissimulando-se atrás dos pés de pau, furtiva e assustada.
Os
braços e as pernas sujas do amanho da terra. Certa manhã, cedinho, entrando
mata adentro para recolher a
caça como fazia quotidianamente, Castor a surpreendeu a seguir-lhe os passos,
esgueirando-se entre as árvores.
Também
no rio: nadava ao cair da tarde nas águas fundas, bem distante do trecho raso e
encachoeirado onde as mulheres lavavam roupa e tomavam banho, quando Diva
emergiu em sua frente, quase a tocar-lhe o corpo nu: um trapo molhado mais a
desnudava do que a vestia.
Não fosse ainda tão nova, ele não teria
resistido. Gritou: cuidado, menina Diva! Para alertá-la do perigo da correnteza
forte e para romper o sortilégio, aquele rio era morada de encantados.
Durou
menos de um minuto, ela mergulhara novamente e já se fora embora: nadava rápido
como um peixe. Ou uma sereia.
Amiúde
Castor a encontrava e lhe falava. Diva sorria, baixava
a
cabeça, saía correndo mas não ia longe. Bronco e cego, Tição não entendia as esqui sitices, as maneiras espaventadas da criatura, tampouco
percebeu a mudança que transformara os. gambitos finos em penas torneadas, os
incipientes seios em busto arrogante: para ele continuou a ser a menina Diva,
de trança pendentes, em correria pelo descampado.
Não se deu conta quando ela
abandonou o jogo de pícula e a companhia dos adolescentes, da lesa e dos
moleques, passando a andar sozinha ou com a mãe e as cunhadas.
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