terça-feira, março 31, 2015

Não quer entrar, menina Diva?
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 211


















Pôde então contemplar as coxas nuas e a bunda mal coberta pela calçola, coxas e bunda de mulher. Para rever-lhe o rosto que sempre achara lindo, uma galanteza, e medir-lhe o busto, rondando por ali esperou que ela descesse.

Viu-a de corpo inteiro, endoideceu e nunca mais a tratou de menina Diva. Mas continuou a achá-la estouvada, com um parafuso a menos na cachola.

Dantes ela vinha correndo com Ção e Nando pelo descampado
em busca de Edu, para tirá-lo do trabalho e irem os quatro caçar teiús na mata, armar alçapões para os passarinhos, tascar pião - nas horas vagas a diversão de Balbino era manufacturar piões que fornecia a um vendedor na feira de Taquaras - ou empinar arraias feitas por Merência também nas horas vagas, cada qual mais colorida e mais valente.

Nando e Ção entravam oficina adentro, Diva jamais. Ficava fora da porta a espiar. Tição fitava-lhe o rosto angélico, descansava o malho, convidava:

 - Não quer entrar, menina Diva?

Fazia que não com a cabeça e, sem esperar pelos outros, saía a correr como se fugisse dele, temerosa: temerosa de que, pelo amor de Deus? A princípio ele estranhou, depois deixou de reparar: raro o dia em que ela não se mostrava nas vizinhanças da oficina, dissimulando-se atrás dos pés de pau, furtiva e assustada.

Os braços e as pernas sujas do amanho da terra. Certa manhã, cedinho, entrando mata adentro para recolher a caça como fazia quotidianamente, Castor a surpreendeu a seguir-lhe os passos, esgueirando-se entre as árvores.

Também no rio: nadava ao cair da tarde nas águas fundas, bem distante do trecho raso e encachoeirado onde as mulheres lavavam roupa e tomavam banho, quando Diva emergiu em sua frente, quase a tocar-lhe o corpo nu: um trapo molhado mais a desnudava do que a vestia.

 Não fosse ainda tão nova, ele não teria resistido. Gritou: cuidado, menina Diva! Para alertá-la do perigo da correnteza forte e para romper o sortilégio, aquele rio era morada de encantados.

Durou menos de um minuto, ela mergulhara novamente e já se fora embora: nadava rápido como um peixe. Ou uma sereia.

Amiúde Castor a encontrava e lhe falava. Diva sorria, baixava
a cabeça, saía correndo mas não ia longe. Bronco e cego, Tição não entendia as esquisitices, as maneiras espaventadas da criatura, tampouco percebeu a mudança que transformara os. gambitos finos em penas torneadas, os incipientes seios em busto arrogante: para ele continuou a ser a menina Diva, de trança pendentes, em correria pelo descampado.

Não se deu conta quando ela abandonou o jogo de pícula e a companhia dos adolescentes, da lesa e dos moleques, passando a andar sozinha ou com a mãe e as cunhadas.

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