Um nababo do cacau |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 191
Num lugar que uma vez mostrei a vosmicê.
Se lembra?
Enquanto o Coronel estiver contente com
meus préstimos, sou homem seu. Tendo ouvido o que desejava ouvir, o Coronel respirou,
aliviado. Ficara apreensivo com a notícia da construção da casa de Natário.
- Me lembro, compadre. Lembro muito bem,
como havia de esquecer? Pois se falei nisso, foi para lhe dizer que não conheço
homem mais direito do que o compadre. Quero que se saiba que tu nunca me
faltou.
Presidia o almoço comemorativo do
aniversário de dona Ernestina, sua santa esposa. Voltou a encher o copo com o
espesso vinho tinto português. Fizera vir dois barriletes de Ilhéus tendo em
vista aquele almoço que desejava não apenas abundante e saboroso: queria-o
lauto e festivo.
Para celebrar igualmente a presença do filho,
recém-chegado do Rio de Janeiro. Sendo ele, coronel Boaventura Andrade, mais do
que rico, sendo milionário, um nababo do cacau, andava ultimamente acabrunhado,
de pouca conversa e pouco riso.
Dizia-se à boca pequena que a mágoa do
Coronel era devida à ausência do filho único e doutor que se demorava na
capital do país desde a formatura, já lá se iam cinco anos, longos e amargos.
Frequentando cursos e mais cursos,
colecionando diplomas, especializando-se. Em quê o Coronel não conseguia
descobrir: só se fosse em gastar dinheiro.
O Coronel elevou o copo em direção a
Natário para brindar com o compadre, jagunço e capataz. Seu braço direito como
escrevera certa feita ao Juiz de Itabuna, ao término das lutas pela posse das
matas do rio das Cobras. Repetiu:
- Tu nunca me faltou.
Circundou os convidados com o olhar
pejado de memórias:
- Por duas vezes tu me salvou a vida. A
sua saúde, compadre!
Rosto estático, sentado na outra
extremidade da mesa, Natário levantou-se, ergueu o copo - à sua, Coronel! - e
em seguida o esvaziou, O silêncio ainda persistiu pois os comensais não sabiam
se o anfitrião concluíra ou não a sua arenga.
Os comensais, pessoas de categoria,
todas elas, conforme já antes se informou: o Juiz do Cível, de Ilhéus, e o Juiz
de Direito, de Itabuna, esse acompanhado do Promotor e do Intendente; o doutor
João Mangabeira, deputado estadual, ainda jovem mas já afamado pela
inteligência; o coronel Robustiano de Araújo, da Fazenda Santa Mariana, o
coronel Brígido Barbuda, da Fazenda Santa Olaia, o coronel João de Faria, da
Fazenda Piauitinga, que lutara ao lado de Basílio de Oliveira em Sequeiro de
Espinho, o coronel Prudêncio de Aguiar, da Fazenda Linda Vista, o coronel Emilio
Medauar, árabe que além da Fazenda Nova Damasco possuía casa de negócio em Água
Preta, um filho seu, Jorge, colega de turma de Venturinha, também trocava
pernas no Rio de Janeiro, escrevia artigos nos jornais, publicara um livro de
versos, que o pai, peidando e arrotando orgulho, exibia nas rodas de amigos.
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