(Na minha cidade de Santarém em 26/4/15)
Ontem comemorou-se no meu país, mais uma vez, o feriado mais importante da sua história recente, o 25 de Abril, o golpe militar do Movimento dos Capitães e o levantamento popular que o apoiou entusiasticamente.
Já lá vão 41 anos e o
Presidente da República essa figura de português sonso, cinzento e dissimulado,
que não mexeu uma palha a favor da democracia no país e tem uma raiva escondida
a quantos lutaram por ela, lá debitou mais um discurso redondo em que repetiu
tudo o que pensa e pelo impacto que provocou, parece que pensa pouco...
Cavaco Silva foi um vivente silencioso do regime anterior que com grande sentido de
oportunidade e um instinto nato pelo poder, permitiu que um grupo de pessoas
estabelecessem com ele uma espécie de pacto: “serve os nossos interesses que nós
serviremos os teus”.
A partir desse momento
a democracia portuguesa passou a ser servida por gente que se apoderou de
Bancos e de Poder ao mesmo tempo que o adulava com sorrisos, atenções e
prendas, uma espécie de culto em que o nosso povo embarcou com o seu voto.
A democracia conqui stada em 1974 baixava de qualidade fazendo jus ao
ditado de que de todos os regimes políticos, é o menos mau porque quem lhe dá o valor é o
povo, são as pessoas com a sua participação cívica, análise crítica e capacidade para
fazer as opções mais certas, lhe conferem a qualidade.
Em 1975, a 25 de Abril, foi
eleita a Assembleia Constituinte para a elaboração de uma nova Constituição. Votaram,
então, 92% da população, 40% da qual não sabia ler nem escrever e a sua cultura
política herdada de Salazar era: trabalho, família e obediência a Deus e à
ordem estabelecida.
Os políticos,
nessa altura, constituíam a nata da sociedade portuguesa, grande parte deles tinha
participado nas lutas pela democracia, gente corajosa, de qualidade moral
e intelectual. A política foi para eles, no tempo da ditadura, a satisfação de um dever, o risco da prisão, da tortura e do exílio.
Mas depois de instalada
e consolidada torna-se num regime de oportunidades, a liberdade assegura o
exercício das nossas capacidades plenas e o poder torna-se numa sedução, muito longe,
por vezes, do dever cívico.
Muitos, vão para a política
como quem vai para uma escola, para fazer carreira, para assegurar emprego,
quem sabe se alguma riqueza.
As questões de carácter
já não constam dos currículos, ninguém avalia os políticos por aqui lo que eles são mas por aqui lo
fazem ou dizem que conseguem fazer.
As vidas passaram a ser
medidas quantitativamente, metidas em estatísticas que podemos esgrimir e
escolher à nossa vontade e números que passaram a ter vida própria
independentemente da realidade.
Que interessa se os
limites da pobreza em Portugal atinjam o ponto a que chegaram se podemos
argumentar com as vantagens de duas décimas do PIB ou da taxa de juros quase a
zero.
A nossa democracia produziu um Passos Coelho que se
prepara para pedir uma nova maioria absoluta para a sua Coligação mas que,
recentemente, no elogio fúnebre oficial a Mariano Gago, ex-Ministro da Educação
durante doze anos pelo governo Socialista, licenciado em Engenharia Electrotécnica ,
doutorado em Física em Paris, bolseiro do Instituto de Alta Cultura e político
que lutou, também ele, pela democracia, teve a “brutalidade de espírito” de
dizer na cerimónia. “... apesar de ter feito parte dos governos socialistas”.
Como diz Clara Ferreira Alves: “isto é a mesma coisa
do que ir ao funeral de uma pessoa apresentar condolências à família e dizer: “... ele
foi um grande homem apesar de ter sido vosso parente...”
E nós, cidadãos, tomamos conhecimento disto e já não
sabemos se devemos lamentar os políticos que temos ou se as pessoas que eles são.
Talvez por isto tenhamos tido 92% de portugueses a votar em
1975, com 40% de analfabetos, para eleger os deputados para a Assembleia Constituinte
e agora a rondar os 50% quando já todos sabemos ler e escrever.
Esta aparente contradição tornou-se na doença da democracia, um dedo apontado aos políticos, o desencanto e, infelizmente não estamos sozinhos na Europa.
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