Vamos antes que o dia clareie... |
TOCAIA
GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio
N º 230
- Não vou saber? Já tive e dos ruins.
Parece olhado mas é pior: a criatura perde a vontade de viver.
Ainda assim sua curiosidade não estava
satisfeita:
- O porco é pra Omolu, tá certo. Mas pra
que essa porção de bichos diferentes?
- Obrigação que tou devendo às cabeças,
faz tempo. Acho que é por isso que ando frouxo desse jeito...
- Frouxo? Tu? - Riu debochada.
Tição deu-lhe pressa:
- Vamos, antes que o dia clareie.
Ela abanou o fogo sob as latas e as
panelas: carne de cágado demora tempo a cozinhar. Juntou-se a Tição e foram
para o fundo da casa, ele levava a faca de ponta e uma cuia feita de casca de coco.
Ressu segurou as patas do leitão, Tição
o sangrou. Quando o sangue espirrou, vermelho e quente, o negro aproximou a
boca do pescoço do animal e sorveu a vida. Com gana e avidez.
Depois foi a vez de Ressu. Por fim, encheram a
cuia para a obrigação dos santos. Cantaram as cantigas de Omolu. Batendo palmas
com as mãos do ritmo do opanijé, dançaram as danças do orixá: as do enfermo, curvado,
alquebrado, comido pela bexiga negra; as do curandeiro, salvando o povo da peste
e da caruara, derrotando a morte.
Tição, tocando o chão com a testa, saudou
e ofereceu o sacrifício, o ebó de sangue, suplicando a Obaluaiê forças para
vencer o quebranto e o mau-olhado que lhe calavam a boca e amarravam os braços,
que o sufocavam.
A comida foi servida em latas e em pratos
de flandre: para cada um dos orixás sua iguaria própria, ainda fumegante.
Atotô, Omolu!
Para o mediador da doença e da saúde, o
porco e as pipocas.
Okê, Oxóssi! - rei de Quetu, dono da
floresta, caçador: serviram-lhe da paca, do teiú e das cutias. Para Xangô,
senhor do raio e do trovão, o cágado e o amalá: kwô-kabiessi!
E
para Oxalá, orixá nlá, grande orixá, o pai de todos - a meia dúzia de caracóis, os igbins daquele
mato, além do inhame e do milho, tudo sem sal como ele exige e lhe convém.
Os pratos olorosos no peji, diante dos
fetiches de palha, de ferro, de madeira e de metal: o xaxará de Omolu, o
arco-e-flecha de Oxóssi, o martelo de duas cabeças de Xangô, o paxorô de Oxalá.
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