sexta-feira, abril 24, 2015

Vamos antes que o dia clareie...
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)




Episódio N º 230















- Não vou saber? Já tive e dos ruins. Parece olhado mas é pior: a criatura perde a vontade de viver.

Ainda assim sua curiosidade não estava satisfeita:

- O porco é pra Omolu, tá certo. Mas pra que essa porção de bichos diferentes?

- Obrigação que tou devendo às cabeças, faz tempo. Acho que é por isso que ando frouxo desse jeito...

- Frouxo? Tu? - Riu debochada.

Tição deu-lhe pressa:

- Vamos, antes que o dia clareie.

Ela abanou o fogo sob as latas e as panelas: carne de cágado demora tempo a cozinhar. Juntou-se a Tição e foram para o fundo da casa, ele levava a faca de ponta e uma cuia feita de casca de coco.

Ressu segurou as patas do leitão, Tição o sangrou. Quando o sangue espirrou, vermelho e quente, o negro aproximou a boca do pescoço do animal e sorveu a vida. Com gana e avidez.

 Depois foi a vez de Ressu. Por fim, encheram a cuia para a obrigação dos santos. Cantaram as cantigas de Omolu. Batendo palmas com as mãos do ritmo do opanijé, dançaram as danças do orixá: as do enfermo, curvado, alquebrado, comido pela bexiga negra; as do curandeiro, salvando o povo da peste e da caruara, derrotando a morte.

Tição, tocando o chão com a testa, saudou e ofereceu o sacrifício, o ebó de sangue, suplicando a Obaluaiê forças para vencer o quebranto e o mau-olhado que lhe calavam a boca e amarravam os braços, que o sufocavam.

A comida foi servida em latas e em pratos de flandre: para cada um dos orixás sua iguaria própria, ainda fumegante. Atotô, Omolu!

Para o mediador da doença e da saúde, o porco e as pipocas.
Okê, Oxóssi! - rei de Quetu, dono da floresta, caçador: serviram-lhe da paca, do teiú e das cutias. Para Xangô, senhor do raio e do trovão, o cágado e o amalá: kwô-kabiessi!

 E para Oxalá, orixá nlá, grande orixá, o pai de todos -  a meia dúzia de caracóis, os igbins daquele mato, além do inhame e do milho, tudo sem sal como ele exige e lhe convém.

 Os pratos olorosos no peji, diante dos fetiches de palha, de ferro, de madeira e de metal: o xaxará de Omolu, o arco-e-flecha de Oxóssi, o martelo de duas cabeças de Xangô, o paxorô de Oxalá.

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