segunda-feira, abril 06, 2015

Não queria ir embora sem ver meu turco
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 216



















Bem mais tarde ela o acompanhou até a beira do rio, onde Fadul viera encher uma lata de água para as necessidades da casa, naquele dia ainda maiores: Zezinha, devido ao medo de doença feia, tinha mania de limpeza.

 O fogo aceso no descampado, os fifós, uma ou outra estrela iluminavam a noite de breu. Eles iam de mãos dadas: de tão enleada Zezinha era ver uma donzela passeando com o namorado às escondidas da família.

- Por que tu não manda cavar um poço para ter água em casa?

- Custa dinheiro.

- Mais custa a trabalheira que tu tem. Onde já se viu?

Ele encheu a lata, quis voltar, tinha pressa de estendê-la na cama: tantas vezes em sonho ali a perseguira, tentando agarrá-la.

Devassa e cruel, ela se oferecia mas não se entregava, fugia-lhe dos braços, ria-lhe na cara. Chegara o dia da forra, ia cobrar com juros de agiota.

- Vambora...

- Inda não.

Puxou-o pelo braço, sentaram-se à beira d’água, junto ao Bidé das Damas, os pés na correnteza, ouvindo o coaxar dos sapos.

Zézinha encostou a cabeça no ombro largo do turco, enfiou a mão por dentro da camisa para acariciar-lhe o peito cabeludo.

- Não queria ir embora sem ver meu turco.

- E sem me enfiar a faca, não é mesmo? - Falava em tom de brincadeira, sem sotaque de queixa ou acusação.

- Vim buscar ajuda, não vou mentir. Mas não foi só por isso que eu vim, Deus é testemunha. Tu é um turco bruto e ignorante, tu pensa que eu não tenho sentimento.

Fadul a envolveu nos braços e a olhou dentro dos olhos: as lágrimas já não eram devidas à morte do pai. Eram lágrimas de saudades e bem-querer, choradas na noite de encontro e despedida.

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