sexta-feira, abril 17, 2015

Para aqueles, sim, abriria as pernas na hora...
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 226


















A de Castor - Ave Maria!... uma acha de tição, daí o apelido, só podia ser. Para aqueles, sim, ela abriria as pernas na hora que quisessem. Também para o sanfoneiro, bonito como o Cão.

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O reino de Iemanjá é o oceano, são as águas salgadas e bravias, mundo sem porteiras: comparada com o mar, a terra é um pedacinho.

Castor Abduim, fugindo da morte decretada, embarcara num veleiro no porto da Bahia. Durante a noite enxergou a mão de Janaína no clarão da lua, apagando o rastro de seu passo perseguido.

 A cabeleira de espuma no vaivém das ondas, os olhos candentes no céu de estrelas e, no ventre de prata, o cortejo dos afogados. Noivos que ela elegera entre os barqueiros, os pescadores, os marinheiros mais valentes. Iam com ela para as núpcias no leito do fundo do mar, as terras de Aiocá.

Iemanjá tem dois semblantes, verso e anverso, a face do nascimento e o perfil da morte. Castor navegou para a liberdade nas águas que fluíam de seus seios: condenado a morrer, ela lhe preservou a vida: mãe e esposa.

Ao chegar a Ilhéus, pai Arolu indicou-lhe a praia onde ficava a morada de Iemanjá, uma gruta sobre as rochas, penetrada pelas ondas. Ele lhe levou um ebó de galantezas: frasco de cheiro, sabonete, um lenço azul para os cabelos.

Dona do mar, senhora das tempestades, que viera ela fazer nos estreitos limites daquele rio de águas plácidas? O negro Castor Abduim da Assunção, filho de Xangô, com uma banda de Oxalá e outra de Oxóssi, gravava a fogo no metal branco, com primitivos instrumentos de trabalho, dando forma e vida à sereia no centro do abebê.

O leque de Iemanjá é de prata, de ouro o de Oxum, não havendo prata e ouro, um é moldado em metal branco, o outro, em amarelo. As formosas os utilizam na festa dos encantados quando vêm dançar no meio do povo.

Tição queria colocar o abebê entre os fetiches do peji: quem sabe, assentada na oficina, ela abandonasse acoitamentos e desvãos para tomar na mão o leque sem igual e acender na forja a aurora e a alegria.

Vindo do rio, afluente de seu reino, ali Oxum se proclamara e fora soberana, ocupara a rede de dormir e de sonhar. Mas Oxum, como sabemos nós da seita, ekedes ou ogans, é elegância e sedução, capricho e orgulho, leviano coração.

 Não se dá de companheira e sim de amante: o tempo das amantes é tumultuado e curto. Epifânia partira levando o abebê dourado, Atina Penada a acompanhara durante um trecho do caminho. Agora o cão cercava Diva quando ela se mostrava e se escondia atrás das árvores. Fazia-lhe festas, abanando o rabo, e ela lhe dava restos de comida enrolados em folhas de mandioca.

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