sábado, maio 02, 2015

A cicatriz na face - o que isso Tição?
TOCAIA GRANDE

(Jorge Amado)

Episódio Nº 236

















Para compensar, o caixeiro viu reafirmada sua outra previsão: ficara claro e patente, a quem quisesse observar e concluir, para qual dos dois arrasta-asas se inclinava a preferência da sergipana Diva.

 Pimpona nos seus recém-completados quinze anos, desfizera as tranças e prendera os desatados cabelos com uma larga fita cor-de-rosa, a mesma largura e a mesma cor da que lhe rodeava na cintura o vestido de chitão, saia de babados; corpete de jabô, feito por dona Natalina. Uma graça.

Quem é essa dona Natalina cujo nome ainda não se vi inscrito no relato de Tocaia Grande e que agora surge em plena festa: de quem se trata, de onde saiu?

 - Pois se trata da viúva de João Medeiros, alagoano de pouca conversa que fora administrador da Fazenda do Bom Retiro e morrera em recente tocaia montada não se sabe por quem nem por que motivo.

Idosa demais, para fazer a vida, sabendo costurar e sendo proprietária de uma máquina Singer de mão, veio parar em Tocaia Grande onde optou pela profissão de modista.

Tantas novidades ocorreram no povoado que algumas passávam despercebidas: no caso de dona Natalina, além de um erro, cometeu-se uma injustiça.

Para o negro Tição a preferência de Diva já não era aquele obscuro enigma de suas cogitações anteriores quando buscava explicar os motivos e as posturas da moça de Maroim. Para ele tudo se tomara evidente no momento em que a tentara beijar e ela, demonstrando repulsa e nojo, o agredira com o abebê, alcançando-o no rosto.

 A cicatriz na face - que é isso, Tição, andou se ferindo em algum espinho venenoso? - não era nada se a fossem comparar à chaga aberta na caixa do peito, doendo e sangrando, fazendo-o penar como um cão danado.

Ademais não a admitia exposta, quem o olhasse não suspeitaria quanto estava sofrendo, pois simulava ser o mesmo negro risonho e vadio de sempre, perene alegria, altaneiro e volúvel coração.

No fovoco de dona Ester - tenho um abuso medonho desses bleforés, explicou dona Ester quando Pedro Cigano lhe transmitiu a notícia e o convite, e lá não piso nem amarrada  - não houve ninguém mais animado do que o ferreiro Castor Abduim.

 Dele tinha partido a idéia da festa e a queria ver pegando fogo. Dançou sem parar durante a noite inteira, não perdeu uma polca, uma mazurca, um coco, um xote e comandou o esplendor de uma quadrilha.

O outro parecia um gringo mas quem pronunciava “balancê” e “anavantu”, em língua das estranjas, era ele, de boca cheia.

Site Meter