A cicatriz na face - o que isso Tição? |
TOCAIA
GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 236
Para compensar, o caixeiro viu
reafirmada sua outra previsão: ficara claro e patente, a quem qui sesse observar e concluir, para qual dos dois
arrasta-asas se inclinava a preferência da sergipana Diva.
Pimpona nos seus recém-completados qui nze anos, desfizera as tranças e prendera os
desatados cabelos com uma larga fita cor-de-rosa, a mesma largura e a mesma cor
da que lhe rodeava na cintura o vestido de chitão, saia de babados; corpete de jabô,
feito por dona Natalina. Uma graça.
Quem é essa dona Natalina cujo nome
ainda não se vi inscrito no relato de Tocaia Grande e que agora surge em plena
festa: de quem se trata, de onde saiu?
-
Pois se trata da viúva de João Medeiros, alagoano de pouca conversa que fora
administrador da Fazenda do Bom Retiro e morrera em recente tocaia montada não se
sabe por quem nem por que motivo.
Idosa demais, para fazer a vida, sabendo
costurar e sendo proprietária de uma máqui na
Singer de mão, veio parar em
Tocaia Grande onde opt ou
pela profissão de modista.
Tantas novidades ocorreram no povoado
que algumas passávam despercebidas: no caso de dona Natalina, além de um erro,
cometeu-se uma injustiça.
Para o negro Tição a preferência de Diva
já não era aquele obscuro enigma de suas cogitações anteriores quando buscava explicar
os motivos e as posturas da moça de Maroim. Para ele tudo se tomara evidente no
momento em que a tentara beijar e ela, demonstrando repulsa e nojo, o agredira
com o abebê, alcançando-o no rosto.
A
cicatriz na face - que é isso, Tição, andou se ferindo em algum espinho
venenoso? - não era nada se a fossem comparar à chaga aberta na caixa do peito,
doendo e sangrando, fazendo-o penar como um cão danado.
Ademais não a admitia exposta, quem o
olhasse não suspeitaria quanto estava sofrendo, pois simulava ser o mesmo negro
risonho e vadio de sempre, perene alegria, altaneiro e volúvel coração.
No fovoco de dona Ester - tenho um abuso
medonho desses bleforés, explicou dona Ester quando Pedro Cigano lhe transmitiu
a notícia e o convite, e lá não piso nem amarrada - não houve ninguém mais animado do que o
ferreiro Castor Abduim.
Dele tinha partido a idéia da festa e a queria
ver pegando fogo. Dançou sem parar durante a noite inteira, não perdeu uma
polca, uma mazurca, um coco, um xote e comandou o esplendor de uma quadrilha.
O outro parecia um gringo mas quem
pronunciava “balancê” e “anavantu”, em língua das estranjas, era ele, de boca
cheia.
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