sábado, maio 09, 2015

Apagou o fifó, subiu para a rede e se deitou.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 241



















Bastião da Rosa era um rapaz de bem, loiro de olhos azuis, um gringo e tanto, casa posta com farteza. Mas seu homem, aquele que lhe esquentava o sangue e lhe aparecia em sonhos, era o negro Castor Abduim, ferrador de burros, Tição de Apelido.

Ia por vontade própria, levava a trouxa na mão direita, na esquerda o coração.

Ajoelhado, Tição mantinha imóvel a pata da mula Lamiré, calçava-lhe ferradura nova, o martelo suspenso no ar. Edu, aprendiz a seu costado, estendia-lhe os cravos, e o moleque Trabuco, ajudante de tropeiro, admirava-lhe a perícia.

 Diva parou diante dele e lhe sorriu. Castor também sorriu, e se demonstrou surpresa não deu a perceber. Não trocaram palavra: ele baixou o martelo sobre o cravo, a mula nem sentiu.

Festejada por Alma Penada e Oferecida, Diva atravessou a porta, entrou em casa, em sua casa. O fogo crescia na forja, Diva tomou o fifó aceso, iluminou o quarto onde nunca estivera: a esteira no chão, a rede dependurada, num caixote os trapos de vestir. Junto às calças e camisas, as poucas vestes de Tição, arrumou as duas saias, outras tantas anáguas e as blusas, o vestido de chitão, as chinelas.

Apagou o fifó, subiu para a rede e se deitou. Daí em diante, nenhuma outra, fosse ela quem fosse, a ocuparia. Tinha dona.

Deixou-se envolver pelo cheiro de seu homem, riu baixinho o riso desatado do primeiro encontro e sentiu-se em paz: amanhã seriam duas as manchas de sangue, de seu sangue, na florada e suja rede de casal.

O ARRUADO DESFILAM AS PRENHAS NO AFLUXO DE BICHOS E VIVENTES

1

Barrigas empinadas, as prenhas desfilavam orgulhosas nos limites de Tocaia Grande: ganhariam meninos quando o verão chegasse no fim da safra. De início apenas Diva e Abigail, filha caçula de José dos Santos; a seguir se incorporaram Isaura, onze meses mais velha do que a irmã, e Dinorá, casada com Jãozé.

Com o advento dos estancianos, o cortejo das grávidas iria quase duplicar, pois três mulheres do clã estavam pejadas, também elas desovariam nas mãos beneméritas de Jacinta Coroca.

Dinorá começara a renascer no dia em que avistaram Tocaia
Grande e Jãozé aflorou-lhe com os dedos de esperança o rosto fatigado e poeirento. Morta-viva, vinha sustentando por milagre a vida no corpo raquítico do enfezado a choramingar em seus braços, certa de que para eles tudo se acabara no dia do juízo final quando foram expulsos da meação em Maroim.

Mas ao avistar o vale pujante e belo e ao sentir a carícia inatendida, a mão calejada e amorosa do homem, pensou que talvez naqueles ermos pudesse voltar ao amanho da terra, à criação de bichos, a sentir vontade, calor nas partes, capaz até de emprenhar: apta de novo para o trabalho e a cama.

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