Apagou o fifó, subiu para a rede e se deitou. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 241
Bastião da Rosa era um rapaz de bem,
loiro de olhos azuis, um gringo e tanto, casa posta com farteza. Mas seu homem,
aquele que lhe esquentava o sangue e lhe aparecia em sonhos, era o negro Castor
Abduim, ferrador de burros, Tição de Apelido.
Ia por vontade própria, levava a trouxa na mão
direita, na esquerda o coração.
Ajoelhado, Tição mantinha imóvel a pata
da mula Lamiré, calçava-lhe ferradura nova, o martelo suspenso no ar. Edu,
aprendiz a seu costado, estendia-lhe os cravos, e o moleque Trabuco, ajudante
de tropeiro, admirava-lhe a perícia.
Diva parou diante dele e lhe sorriu. Castor
também sorriu, e se demonstrou surpresa não deu a perceber. Não trocaram
palavra: ele baixou o martelo sobre o cravo, a mula nem sentiu.
Festejada por Alma Penada e Oferecida,
Diva atravessou a porta, entrou em casa, em sua casa. O fogo crescia na forja, Diva tomou o
fifó aceso, iluminou o quarto onde nunca estivera: a esteira no chão, a rede
dependurada, num caixote os trapos de vestir. Junto às calças e camisas, as
poucas vestes de Tição, arrumou as duas saias, outras tantas anáguas e as
blusas, o vestido de chitão, as chinelas.
Apagou o fifó, subiu para a rede e se deitou.
Daí em diante, nenhuma outra, fosse ela quem fosse, a ocuparia. Tinha dona.
Deixou-se envolver pelo cheiro de seu
homem, riu baixinho o riso desatado do primeiro encontro e sentiu-se em paz:
amanhã seriam duas as manchas de sangue, de seu sangue, na florada e suja rede
de casal.
O ARRUADO DESFILAM
AS PRENHAS NO AFLUXO DE BICHOS E VIVENTES
1
Barrigas empinadas, as prenhas
desfilavam orgulhosas nos limites de Tocaia Grande: ganhariam meninos quando o
verão chegasse no fim da safra. De início apenas Diva e Abigail, filha caçula
de José dos Santos; a seguir se incorporaram Isaura, onze meses mais velha do
que a irmã, e Dinorá, casada com Jãozé.
Com o advento dos estancianos, o cortejo
das grávidas iria quase duplicar, pois três mulheres do clã estavam pejadas,
também elas desovariam nas mãos beneméritas de Jacinta Coroca.
Dinorá começara a renascer no dia em que
avistaram Tocaia
Grande e Jãozé aflorou-lhe com os dedos
de esperança o rosto fatigado e poeirento. Morta-viva, vinha sustentando por
milagre a vida no corpo raquítico do enfezado a choramingar em seus braços, certa
de que para eles tudo se acabara no dia do juízo final quando foram expulsos da
meação em Maroim.
Mas ao avistar o vale pujante e belo e
ao sentir a carícia inatendida, a mão calejada e amorosa do homem, pensou que
talvez naqueles ermos pudesse voltar ao amanho da terra, à criação de bichos, a
sentir vontade, calor nas partes, capaz até de emprenhar: apt a de novo para o trabalho e a cama.
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