quinta-feira, maio 07, 2015

Bastião é um moço direito
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)





Episódio Nº 239
















Pararam diante do casebre fincado sobre estacas, o chiqueiro embaixo, os porcos fuçando restos de jaca e fruta-pão. Vanjé olhavaem silêncio como se estivesse rememorando e refletindo, esquecida da pergunta. De cima chegou o choro do menino de Lia e Agnaldo. Decidiu-se:

- A gente não pode arresolver as coisas aqui do mesmo jeito que se morasse em Maroim. Lá, todo domingo nós tava na Igreja ouvindo missa e sermão do padre. Se um caradura viesse falar de viver com minha filha sem casar com ela, sem as alianças, nem sei o que ia lhe arresponder, coisa boa não houvera de ser. Já pensou? Jãozé e Agnaldo se casaram, imagina tu que é mulher.

Abriu os braços para reforçar o pensamento:

- Mas aqui quem é que se casa? Nem padre tem, nem capela onde se rezar. Em vez, tem terra de abastança, nós tá de grande. Não é que nem lá que nós labutava em terra alheia.

Nós tem se dado bem aqui, o lugar é atrasado mas é mais melhor que lá.

Buscava ser objetiva, ver as coisas como elas eram. Resignada, fitou a filha moça, mulher de quinze anos, na idade de casar ou de amigar. Se demorasse, acabaria na vida, mulher-dama.

 Estivessem em Maroim, iria prevenir o padre, marcar a data. Mas estavam em Tocaia Grande, neres de padre, neres de igreja, neres de neres. Melhor amigada do que fretando homem na Baixa dos Sapos, coitadinha.

- Bastião quer se juntar com tu. Me deu sua palavra que quando tiver santa missão em Taquaras, ocês se casam, que eu posso ficar descansada. Na casa dele tem de um tudo, não falta nada. Cama de ferro das grandes, de casal, comprou em Itabuna.

Espelho na parede. - Repetiu a fim de convencê-la e convencer-se:

- Bastião é um moço direito.

Diva baixou os olhos, sorriu pelos cantos da boca:

- Casar? Carece não, Mãe.

Vanjé suspirou: surpreendida ou aliviada? A vista posta no
barraco onde viviam amontoados uns sobre os outros, iguais aos bichos no chiqueiro. Não terminara de contar: Bastião prometera que logo depois de terminado o pontilhão, iria levantar uma casa nova para eles: um bom rapaz, seu Bastião da Rosa.

Ai, por que Deus não despachava uma Santa Missão direta
 para Taquaras? No soflagrante: a Deus Todo-Poderoso não custava nada, era só querer. Mas Deus tinha mais em que pensar, ocupado com o reino dos céus e os maiorais do mundo, não podia perder tempo com bobagens de uma velha broca.

Ao contrário do Deus de Fadul, o bom Senhor dos maronitas, patrício e íntimo, prestativo, o Deus de Vanjé era o Padre Eterno, o Ente Supremo, o Rei dos Reis, altíssimo e remoto.

Vá-se lá saber quando desembarcariam frades na estação de Taquaras, de cruz em punho, para combater o pecado, distribuir penitências, batizar meninos, casar amancebados.

Vanjé suspirou de novo.

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