quarta-feira, maio 06, 2015

Tu já vai saber
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)



Episódio Nº 238
















A coisa que eu mais gosto é de dançar, revelara Ção na venda de Fadul e assim era. Não esquentava cadeira, passava de par em par, e ela própria penava e escolhia cavalheiro, convidando-o sem cerimônia: me tire, vamos, ao ver um de seus preferidos - Fadul, Castor, Bastião da Rosa, Guido — parado a matar o bicho, dando sopa.

 Percorreu o salão abraçada a Pedro Cigano: com uma das mãos o sanfoneiro manejava a harmônica, com outra rodeava-lhe a cintura. Seu Pedro Cigano, bonito como o Cão!
Tendo deixado Coroca saracoteando com Balbino, Castor dirigiu-se para o improvisado balcão onde Leva-e-Traz, vendo-o aproximar-se, encheu um copo e lhe ofereceu antes mesmo que ele o encomendasse:

- Nunca vi vosmicê tão influído, seu Tição... - Na voz, admiração e espanto: o ferreiro não dava o braço a torcer, devia estar se comendo por dentro mas não demonstrava como se o embeleco em nada lhe importasse.

Se ouviu, Castor Abduim não respondeu nem comentou. Engoliu o trago e pediu mais. Durvalino serviu, recolheu a paga, apressado: precipitou-se para onde estava Ção inacreditavelmente livre, à espera de convite:

- Vou ali, já volto...

Tição o acompanhou com os olhos e o viu sair pulando com
Ção, desengonçado e animadíssimo. Bastião da Rosa dançava com Vanjé, o sabidório. Foi quando percebeu uma sombra e levantou a vista para o vulto de pé em sua frente. Olhando-o de viés, sorriso marombeiro, deslumbrante no vestido de babados, Diva arrulhou uma queixa:

- Ocê não vai me tirar pra dançar?

24

Concluída e entregue a casa de farinha, raspada e espremida a mandioca, torrada a primeira desmancha, nem assim Bastião da Rosa deixara de aparecer para filar a bóia na hora do almoço ou para se reunir com os homens quando, ao morrer do sol, voltavam dos roçados e iam se banhar no rio.

Azucrinava os ouvidos de Vanjé e de Ambrósio, grudado a Diva a curiosear sobre gosto e preferência, sobretudo no que se referia às necessidades de um casal. Enquanto não se reunia aos carpinas no início dos trabalhos do pontilhão, cuidava da própria casa para torná-la ainda mais confortável: terminara a caiação, cavara uma cacimba, construíra fogão a lenha, igual só o de Merência e olhe lá. Vanjé foi convidada a dar opinião.

Numa tarde cinzenta de chuva fina e pertinaz, voltando com
Diva do Bidê das Damas onde haviam lavado roupa e tomado banho, Vanjé falou como quem não quer nada:

- A casa de seu Bastião tá pronta. Fui ver, dá gosto.

- Ouvi dizer.

Andaram em silêncio, o assunto parecia encerrado. Mas vencendo prevenções e embaraços, Vanjé prosseguiu:

- Seu Bastião é moço direito. Falou com eu e com Ambrósio.

- A  respeito, Mãe?

Demorou a responder como se a resposta lhe custasse esforço:

- Tu já vai saber.

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