quinta-feira, maio 14, 2015

Disposto a casar com ela na primeira igreja.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Sampaio)

Episódio Nº 245



















O que outrora acontecera, dando-lhe nome e renome, foi antes do princípio; antes de existir qualquer vivente no lugar.

Não obstante quem ali visse a luz primeira, nascia carregando na cacunda a marca do sangue derramado, a memória da morte e dos defuntos.

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É certo que ninguém levava a sério a barriga estufada de Ção, menina-e-moça. Motivo apenas para risos de chalaça e obscenos comentários. Na ambição de um filho, a pobrezinha enfiava maços de capim seco embaixo do vestido para que a imaginassem prenha, esperando menino.

Num domingo apareceu na feira exibindo ventre desmedido e estranhamente buliçoso. Sentou-se no chão em meio ao povo e, entre risadas e galhofas dos assistentes, pariu um bacorinho e em seguida, ali, diante de todos, abaixou o decote da blusa esfarrapada e tentou lhe dar o seio a mamar, feliz da vida.

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Ao chegar a Tocaia Grande, árdego mocinho beirando os dezoito anos, ingênuo e apetitoso, Aurélio perturbara o juízo de um punhado de raparigas: redes e esteiras puseram-se à sua disposição, no gratuítes.

Encantado, folgou na mercê das putas até o dia em que, tendo conseguido as moedas necessárias, pagara uma metida com Bernarda.

 Planejara tê-la por uma noite inteira, mas a difícil, desde que lhe nascera o filho e voltava a exercer, limitara as obrigações do oficio a pernadas em horário reduzido: entre as mamadas do menino e nunca após a meia-noite.

Ainda assim a rápida função foi suficiente para deixar Aurélio caído pela rapariga, embeiçado. As outras deixaram de representar para ele qualquer interesse. Ção, que iria renovar seu empenho, ainda não vivia em Tocaia Grande.

Infernou a vida de Bernarda, não lhe saía dos calcanhares, só faltava roubar para conseguir reunir o montante com que se candidatar à cama de campanha mesmo para uma breve pingolada.

Soube, em conversa no intervalo da devoção, que ela admirava o som do cavaquinho, tanto bastou para que iniciasse com um dos cabras do depósito de cacau, tocador apreciado, o aprendizado do instrumento. Dedicava todas as horas livres à rapariga, insistia em vê-la, até a ajudava no trato do menino Bernardo: tinha o nome da mãe, já que não podia ter o do pai.

Quando Bernarda, sem sequer se dar por isso, amamentava a criança na porta da casa de madeira, o último peito da tarde - as quatro horas seguintes dedicadas a ganhar a vida -  Aurélio ficava de tal maneira indócil que a rapariga deixou de fazê-lo em sua frente.

 Não eram decorridos dois meses da chegada dos sergipanos ao lugarejo quando Aurélio propôs-lhe vida em comum e foi mais longe: se ela assim desejasse poderiam ir-se de Tocaia Grande, viver em sítio mais adiantado onde houvesse padre.

Disposto a casar com ela na primeira igreja que encontrassem, a ajudá-la a criar o filho. Como se fosse dele.

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