sábado, maio 30, 2015

Em Estância não havia como ganhar a vida
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 256


















Em Ilhéus, às ordens, qualquer coisa é só escrever. Basta botar no envelope: coronel Boaventura Andrade, Ilhéus, Estado da Bahia, e a carta chega, não faz falta nome de rua, lá todos me conhecem.

A história não era diferente das demais, repetia-se sempre igual, pequenas discrepâncias de detalhes. Haviam cultivado terras à meia, conheceram tempos de prosperidade. Depois foi o que se viu: as terras voltaram à posse do dono, a cana-de-açúcar substituiu o milho e a mandioca.

Em Estância não havia como ganhar a vida: nem terras a lavrar, nem empregos no comércio, nada a faze além do eito nos canaviais do banguê.

Outrora, Estância chegara a ser metrópole de importância na vida do Estado de Sergipe. As mercadorias, transportadas por mar, desembarcadas na barra do rio Real, acumulavam-se no porto do Crasto. De Estância saíam para o sertão, movimento intenso de comboios e cometas. Mas os trilhos da estrada de ferro que ligaram a Bahia a Sergipe passaram longe da cidade e assim a condenaram se não à morte, à decadência.

Aos estancianos não restou alternativa além da partida para o sul: a fama do cacau arrastava os deserdados. Ainda mais se haviam perdido terra, lavoura e esperança.

Então sia Leocádia lembrou-se do parente distante e milionário. Reuniu o clã, propôs o êxodo. Somavam vinte e três viventes, pais e irmãos, tios e primos, o mesmo sangue: sete mulheres, seis homens e dez filhos menores, de várias idades.

A moça Neneca recusou partir, andava de namoro firme com Osíris, brilhante orador oficial e medíocre flautista da Lira Estânciana, vago caixeiro na modesta loja de tecidos do pai, seu Américo, enfim um morto-em-pé.

Neneca aproveitou o ensejo para sair de casa e se juntar com o suplicante: um peso a mais nas costas do pobre seu Américo.

Gabriel, pai de Neneca, ameaçou fazer e acontecer, ela nem ligou e sia Leocádia disse que ele deixasse a água correr, calasse a boca: se a assanhada queria ficar ali passando fome para acabar vendendo o corpo, problema dela, eles tinham demais com que se preocupar.

Sia Leocádia escreveu uma carta ao Coronel, recordando o encontro e os préstimos. Não batera ainda a caçoleta? Perguntara Vavá, o filho mais velho de sia Leocádia, cinqüentão.

 Se houvesse faltado, a notícia do falecimento teria chegádo a Estância fatalmente, notícias ruins andam ligeiro, não se perdem nem se atrasam.

Não vai responder, previu o genro Amândio, incurável desmancha-prazeres.

Não somente respondeu, como o fez por telegrama, foi uma sensação. Juntaram os teréns, embarcaram na terceira classe do trem para a Bahia onde tomariam o navio para ilhéus, contando o dinheiro parco. Em Ilhéus, o primo se ocuparia deles.

Trabalho não faltava sobretudo na época da colheita, mas o Coronel não desejava ver seus parentes mourejando na precária condição de alugados. Lembrou-se de Tocaia Grande, decidiu ir pessoalmente verificar a situação. Com a assistência de Natário, escolheu o local, na divisa do roçado e do criatório de Altamirando.

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