quinta-feira, maio 21, 2015

Os papagaios eram três, vistosos e faladores.
TOCAIA GRANDE
 (Jorge Amado)

Episódio Nº 249



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Algumas casas de tijolo e telha, quantidade de barracos, contínuo vaivém de gente e de animais. Deixaram de existir as horas ociosas durante as quais, após a partida dos tropeiros, o árabe, o negro e as raparigas descansavam da noite e da madrugada trabalhosas e se reuniam para cavaquear, ouvir histórias, cantar modinhas.

Não que houvessem abandonado por completo os costumes de dantes, de quando Tocaia Grande era recente posto de pernoite ou ínfimo arruado vegetando na pasmaceira e no abandono.

Ainda se encontravam para mandriar nos locais costumeiros mas o faziam com menor freqüência, se bem com maior número de participantes. Grupos festeiros juntavam-se aos domingos na feira, no Bidê das Damas, em frente à tenda do ferreiro, na barbearia de Dodô Peroba e, como sempre, na venda de Fadul.

Sucediam-se dançarás no embalo de violões e harmónicas gaitas e cavaquinhos. O número exato das choupanas na Baixa dos Sapateiros só Deus sabia. Deus e Durvalino, o popular caixeiro Leva-e-Traz.

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Multiplicaram-se igualmente os animais domésticos, criados nas posses, na outra margem, ou soltos na rua. Pela manhã e à noite prosseguia o tráfego dos comboios de burros; durante o dia os passantes deparavam com varas de porcos fuçando na lama, bandos de galinhas ciscando nos matos e de guinés passando em disparada.

O capitão Natário da Fonseca, por ocasião da chegada dos sergipanos, trouxera da Atalaia uma dúzia de ovos de tou-fraco que mandara para Vanjé. Postos a chocar sob uma galinha caipira, nasceram dez pintainhos e desses dez a turba multa indomesticável que se espalhava de um e de outro lado do rio, propriedade teórica da roceira, de fato bem comum dos habitantes. Galinhas-d’angola, de carne preta, boas de panela, pitéus especiais.

Além dos descendentes dos arroubos de Alma Penada e Oferecida, outros cães vieram nas bagagens dos novos moradores e procriaram uma voraz população de magros vira-latas.

 Com Zilda mudou-se para Tocaia Grande copiosa bicharada. Além de cachorros e gatos, de aves de criação — galinhas, capotes, patos e perus - viam-se, no quintal ao fundo, no terreiro em frente à moradia, mutuns e jacus domesticados, a ema de Pega, o casal de seriemas gritando seu grito rouco, matando cobras, o ouriçocacheiro de Lúcia, a menina mais velha. Sem falar nos periquitos e papagaios, nos passarinhos, as gaiolas penduradas na varanda e no alpendre

Os papagaios eram três, vistosos e faladores, dois relegados à cozinha e ao quintal, mas o terceiro - maracanã irrequieta e loquaz -,  dono de extenso vocabulário pornográfico, vivia solto, na varanda onde ficava seu poleiro no qual pouco permanecia: o bicho de estimação do dono da casa.

Atendia pelo nome de Vá-Tomar-no-Cu, sua expressão favorita, que ele repetia a dois por três, com ou sem motivo.

Andava de um lado a outro no balaústre da varanda gritando palavrões, assobiando para chamar os cachorros, rindo um riso estrídulo e trocista quando os via chegar correndo para atender à convocação. Proclamava orgulhoso a patente e o nome do senhor e cativo amigo: capitão Natário da Fonseca!

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