quinta-feira, maio 28, 2015

Que achou da terra, Coronel?
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 254



















O Coronel nunca conseguira explicar o condão que permitia ao mameluco ler os pensamentos, adivinhar o futuro. O sangue índio, outra coisa não seria.

Foram por fim tomar um trago, antes do almoço, na venda de Fadul.

- Que achou da terra, Coronel?

- Com mais uns anos passa Taquaras. Só está faltando o trilho do trem chegar aqui.

Empachado, saiu da mesa direto para a rede na varanda a fim de tirar um cochilo. Antes, porém, de ressonar, o Coronel trocou dois dedos de prosa com a comadre Zilda e lhe contou as novas da Atalaia. Sia Pequena ganhara uma ajudante, a filha do finado Tiburcinho: se recorda dela, comadre?

- Sacramento? Se lembro muito bem... Uma lindeza de menina.

No rosto do Coronel, marcado pelo tempo e pela vida, pelas amarguras, despontou um sorriso acanhado, quase tímido.

- Sia Pequena mal consegue andar. A sorte foi essa moça, trabalhadeira não tem outra. Moça boa, comadre. A casa está de fazer gosto e até de mim ela se ocupa. - Falava de criada ou de amásia? - Aqui pra nós, comadre, lhe digo que agora passo mais tempo na Atalaia do que em ilhéus.

 - E Venturinha, compadre? Tem dado notícia?

O sorriso sumiu do rosto do Coronel:

- Continua pelo Rio, penso que se mudou de vez.

- Sempre nos estudos? É caprichoso mesmo, nunca vi gostar tanto de estudar. - Puras palavras de louvor, inocentes, sem
malícia.

- Pois é, comadre, já era tempo de parar. Com estudo demais, doutor acaba virando vagabundo.

O grito fanhoso do papagaio cortou o diálogo:

- Filho da puta! Vá tomar no cu!

O Coronel cerrou os olhos tentando afastar o pensamento de
Venturinha a trocar pernas no Rio de Janeiro, de que adiantava se afligir? Mas se afligia, quisesse ou não, o sem-juízo era seu filho, o único. Por causa dele trabalhara sem descanso, dia e noite.

Rompera a mata e a desbravara, plantara léguas de cacau. Empunhara armas, combatera, arriscara a vida, mandara matar e matara.

Ah, se não fosse a moça Sacramento já teria perdido por completo o gosto de viver - não bastam o dinheiro e o poderio.

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