Que achou da terra, Coronel? |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 254
O Coronel nunca conseguira explicar o condão que permitia ao mameluco ler os pensamentos, adivinhar o futuro. O sangue índio, outra coisa não seria.
Foram por fim tomar um trago, antes do
almoço, na venda de Fadul.
- Que achou da terra, Coronel?
- Com mais uns anos passa Taquaras. Só
está faltando o trilho do trem chegar aqui .
Empachado, saiu da mesa direto para a
rede na varanda a fim de tirar um cochilo. Antes, porém, de ressonar, o Coronel
trocou dois dedos de prosa com a comadre Zilda e lhe contou as novas da
Atalaia. Sia Pequena ganhara uma ajudante, a filha do finado Tiburcinho: se
recorda dela, comadre?
- Sacramento? Se lembro muito bem... Uma
lindeza de menina.
No rosto do Coronel, marcado pelo tempo
e pela vida, pelas amarguras, despontou um sorriso acanhado, quase tímido.
- Sia Pequena mal consegue andar. A
sorte foi essa moça, trabalhadeira não tem outra. Moça boa, comadre. A casa
está de fazer gosto e até de mim ela se ocupa. - Falava de criada ou de amásia?
- Aqui pra nós, comadre, lhe digo
que agora passo mais tempo na Atalaia do que em ilhéus.
-
E Venturinha, compadre? Tem dado notícia?
O sorriso sumiu do rosto do Coronel:
- Continua pelo Rio, penso que se mudou
de vez.
- Sempre nos estudos? É caprichoso
mesmo, nunca vi gostar tanto de estudar. - Puras palavras de louvor, inocentes,
sem
malícia.
- Pois é, comadre, já era
tempo de parar. Com estudo demais, doutor
acaba virando vagabundo.
O grito fanhoso do papagaio cortou o
diálogo:
- Filho da puta! Vá tomar no cu!
O Coronel cerrou os olhos tentando
afastar o pensamento de
Venturinha a trocar pernas no Rio de
Janeiro, de que adiantava se afligir? Mas se afligia, qui sesse
ou não, o sem-juízo era seu filho, o único. Por causa dele trabalhara sem
descanso, dia e noite.
Rompera a mata e a desbravara, plantara léguas
de cacau. Empunhara armas, combatera, arriscara a vida, mandara matar e matara.
Ah, se não fosse a moça Sacramento já
teria perdido por completo o gosto de viver - não bastam o dinheiro e o
poderio.
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