terça-feira, maio 26, 2015

Zilda servia às visitas licor de jeripapo
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 252


















Bernarda chegava, o filho escanchado na cintura. Pedia a bênção à madrinha, ajudava nos trabalhos caseiros; calada e sorridente ouvia o gramofone enquanto catava lêndeas em Zilda.

Vinha sempre na ausência do Capitão, e se acontecia ele chegar de viagem e a encontrar ali, ela pedia-lhe a bênção e em seguida se despedia. Ia ficar em casa, de plantão, à espera de que ele viesse vê-la, na hora que quisesse.

Zilda servia às visitas licor de jenipapo, de pitanga, de maracujá, todos de fabricação caseira: como conseguia tempo para tanta coisa? Para os afazeres domésticos, a cozinha, os licores, o doce de banana, a passa de caju, para a costura e o ponto de cruz?

Para, devotada e cuidadosa, criar os filhos: os seus e os adotivos?

Tudo isso sem elevar a voz, sem correr, sem se queixar. Queixarse de quê? Quando Natário a arrebanhara, órfã e mendiga, nunca imaginara chegar a tais alturas: casada, marido capitão da Guarda Nacional e fazendeiro, dona de uma casa de tal porte, os filhos sadios, no terreiro a bicharada, a mesa farta e franca.

 Queixar-se? - Só se fosse ingrata.

Mesa farta e franca, nela comia quem chegasse mesmo sem convite. Concorrência diminuta quando o Capitão estava ausente: Coroca, Merência, Bernarda, alguma outra amiga; homem, jamais, não estando em casa o chefe da família.

Natário passava a maior parte do tempo nas fazendas, na Atalaia e na Boa Vista, ainda mais durante o temporão e a safra, cuidando da colheita e da secagem do cacau.

Quando porém parava em Tocaia Grande, a casa se enchia numa fartura de visitas. Na mesa não sobrava lugar, com frequência havia quem comesse na varanda ou na cozinha, junto com os meninos.

Amigos, compadres, simples conhecidos, pessoas que tinham assunto a tratar com ele, forasteiros que vinham cumprimentá-lo, ademais dos habitantes. Quando passava, a pé ou a cavalo, pelo descampado, pelo Caminho dos Burros, pela Baixa dos Sapos, todos o saudavam cordial e alegremente, num misto de consideração e de estima.

 Os homens tiravam-lhe o chapéu em sinal de respeito, as mulheres sorriam-lhe com apreço: no respeito de alguns homens um resquício de medo, no apreço de certas mulheres um toque de frete. Os meninos corriam a beijar lhe a mão:

 - A bênção, Capitão!

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O próprio coronel Boaventura Andrade, mandachuva daquelas sesmarias, patrão e compadre, provou o sal da mesa de Zilda, repetiu os quitutes e os gabou, lambendo os beiços: a galinha de molho pardo, o teiú moqueado, o peixe feito no dendê, a frita de capote, os doces de banana e de caju, o creme de abacate.

 Zilda desculpava-se pelo menu pouco variado, apenas quatro pratos, pobreza de almoço se comparado aos da casa-grande.

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