quinta-feira, junho 25, 2015

Assim Nasceu 


Portugal


(Domingos Amaral)







Episódio Nº 7








Contudo, pouco antes de cair no sono, na cama e de mão dada com a sua amada esposa, reconhecera-lhe em surdina que desejava matar o califa, pois estava farto daquele aberrante ser.

 - É cedo, Taxfin – contrapusera Zulmira.

No seu coração ela também ambicionava o fim de Ali Yusuf, ainda mais que Taxfin. Considerava-o um usurpador, e não aceitava as leituras literais e abusivas do Corão feitas pelos almorávidas, que classificava de odiosos e sanguinários!

Elas e as filhas, tal como Taxfin e Abu Zakaria, pertenciam a uma civilização diferente, eram os herdeiros da esplendorosa Córdova do passado.

Incapaz de adormecer, Zulmira deixara o seu espírito vaguear, Taxfin era o seu segundo marido, e o casamento deles, quatro anos antes, fora o início de uma longas caminhada, onde se aliavam o sangue real dela e das filhas, e a habilidade política e militar dele.

No presente já governavam Córdova, e sem pressas mas também sem pausas, estavam a construir uma rede de alianças e cumplicidades para no futuro se rebelarem contra Ali Yusuf.

Um dia, agregariam à sua volta as taifas de Sevilha, Badajoz, Mérida, Valença, Saragoça, Silves, e fariam renascer o magnífico califado andaluz.

Zulmira sorrira no escuro, agradada. Agora em Córdova já ninguém lhe virava a cara, como quando decidira casar-se pela segunda vez.

Os influentes locais não haviam gostado, as principais famílias estavam satisfeitas com as benesses que recebiam do califa almorávida de Marraquexe e não desejavam perturbações.

Hixan de Hisn Abi Xerif, o primeiro marido de Zulmira,  só fora tolerado pelos berberes almorávidas devido ao seu bom senso e à sua ausência de ambições, mas verem a viúva dele, e mãe de suas filhas, regressar à política de Córdova era uma intensa preocupação.

A família de Hixam devia manter-se afastada do poder e da glória, pois o seu nome e as memórias que despertava eram uma trepidação desnecessária.

O califado de Córdova desmoronara-se oitenta anos antes numa guerra civil sangrenta, a “fitna”, estilhaçando-se em pequenos reinos muçulmanos, que só os almorávidas, vindos de Marraquexe, haviam colado outra vez.

Ressuscitar o velho califado era uma quimera louca e perigosa, resmungavam muitos cordovezes. Porém, Zulmira não pensava assim. As suas filhas, Fátima e Zaida tinham origens reais.

Do seu lado, eram bisnetas de Al-Mutamid, o rei poeta de Sevilha; e do lado de Hixam eram ainda mais importantes. Embora o marido tivesse morrido, as filhas mereciam aspirar ao esplendor.

Por isso, quando Taxfin, actual governador de Córdova, lhe começara a fazer a corte, Zulmira aceitara casar com ele. Com o seu segundo matrimónio, a família de Hixam reentrava no palco principal da antiga capital do califado.

O Azzahrat abriu-se para ela de novo, como no passado longínquo, quando seu pai governara a cidade.

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