Portugal
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 7
Contudo, pouco antes de cair no sono, na cama e de mão dada com a sua amada esposa, reconhecera-lhe em surdina que desejava matar o califa, pois estava farto daquele aberrante ser.
- É cedo, Taxfin – contrapusera Zulmira.
No seu coração ela também
ambicionava o fim de Ali Yusuf, ainda mais que Taxfin. Considerava-o um
usurpador, e não aceitava as leituras literais e abusivas do Corão feitas pelos
almorávidas, que classificava de odiosos e sanguinários!
Elas e as filhas, tal como
Taxfin e Abu Zakaria, pertenciam a uma civilização diferente, eram os herdeiros
da esplendorosa Córdova do passado.
Incapaz de adormecer,
Zulmira deixara o seu espírito vaguear, Taxfin era o seu segundo marido, e o
casamento deles, quatro anos antes, fora o início de uma longas caminhada, onde
se aliavam o sangue real dela e das filhas, e a habilidade política e militar
dele.
No presente já governavam
Córdova, e sem pressas mas também sem pausas, estavam a construir uma rede de
alianças e cumplicidades para no futuro se rebelarem contra Ali Yusuf.
Um dia, agregariam à sua
volta as taifas de Sevilha, Badajoz, Mérida, Valença, Saragoça, Silves, e
fariam renascer o magnífico califado andaluz.
Zulmira sorrira no escuro,
agradada. Agora em Córdova já ninguém lhe virava a cara, como quando decidira
casar-se pela segunda vez.
Os influentes locais não
haviam gostado, as principais famílias estavam satisfeitas com as benesses que recebiam
do califa almorávida de Marraquexe e não desejavam perturbações.
Hixan de Hisn Abi Xerif, o
primeiro marido de Zulmira, só fora
tolerado pelos berberes almorávidas devido ao seu bom senso e à sua ausência de
ambições, mas verem a viúva dele, e mãe de suas filhas, regressar à política de
Córdova era uma intensa preocupação.
A família de Hixam devia
manter-se afastada do poder e da glória, pois o seu nome e as memórias que
despertava eram uma trepidação desnecessária.
O califado de Córdova desmoronara-se
oitenta anos antes numa guerra civil sangrenta, a “fitna”, estilhaçando-se em
pequenos reinos muçulmanos, que só os almorávidas, vindos de Marraquexe, haviam
colado outra vez.
Ressuscitar o velho califado
era uma qui mera louca e perigosa,
resmungavam muitos cordovezes. Porém, Zulmira não pensava assim. As suas
filhas, Fátima e Zaida tinham origens reais.
Do seu lado, eram bisnetas
de Al-Mutamid, o rei poeta de Sevilha; e do lado de Hixam eram ainda mais
importantes. Embora o marido tivesse morrido, as filhas mereciam aspirar ao
esplendor.
Por isso, quando Taxfin,
actual governador de Córdova, lhe começara a fazer a corte, Zulmira aceitara
casar com ele. Com o seu segundo matrimónio, a família de Hixam reentrava no
palco principal da antiga capital do califado.
O Azzahrat abriu-se para ela
de novo, como no passado longínquo, quando seu pai governara a cidade.
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