quarta-feira, junho 17, 2015

Terreiro do Paço - Lisboa.
Penúltima 4ª Fª do Mês













Foi o dia escolhido para os nossos almoços de colegas de Curso a que a minha neta Filipa chama de “almoço dos velhotes”, e hoje foi um deles. Infelizmente, faleceu mais um colega nosso, o Abrantes, que por motivo de doença há meses que não comparecia.

O ano passado, tinha sido o Nunes. Numa certa 4ª Fª vimo-lo afastar-se pela última vez do restaurante quando os prenúncios da morte já eram evidentes. Muito gordo, com problemas respiratórios, sem cuidados com a alimentação, era uma figura degradada daquele jovem moreno, elegante e bem parecido que eu conhecera muitos anos antes.

Agora, o Fernando Abreu, num telefonema de surpresa, comunicou-nos que não estava mais em condições de nos fazer companhia aos almoços por proibição do médico. Sofre da doença de Parkinson que se agravou acentuadamente nas últimas semanas. Um pouco mais velho que nós - rondará os oitenta anos - deixou de ouvir, tem dificuldades em falar e em comer e o andar é já um exercício perigoso.

Espirituoso, bom carácter, deixa muitas saudades. Os almoços irão ser mais tristes sem ele.

Eu costumo dizer-lhes que a nossa presença, ali, nas penúltimas quartas – feiras de cada mês, constituem uma prova de vida e, da minha parte, só espero que uma delas nunca coincida com uma greve da CP.

Gosto da viagem de comboio, que não chega a uma hora, bordejando o Rio Tejo a partir de Vila Franca de Xira até chegar ao grande estuário que se espraia pelo mar da palha onde, há muitos anos atrás, ia pescar num iate pequenino a convite do meu irmão... nunca esqueci a força de um carapau quando preso no anzol, um autêntico leão, completamente ao contrário das paspalhonas das fanecas.

Habituei-me às visitas da minha cidade de Lisboa e a prova de que estou a ficar velho é que cada vez gosto mais dela, principalmente da sua luminosidade, daquela mistura de mar e céu. Pena estar lá a ponte... que um dia se chamou de Salazar e que desfeia o horizonte com o seu efeito de “corpo estranho” na paisagem.

A minha avó materna era da outra banda, de Paio Pires, e em pequenino visitava-a no automóvel do meu pai que atravessava o estuário para o outro lado, num barco misto de pessoas e carros em viagens que ficaram para sempre gravadas na minha memória.

Sempre pensei que a ligação à terra onde nascemos é dos laços mais fortes que nos prendem nesta vida. Pode ser uma pequenina aldeia escondida na encosta de uma serra na Beira ou em Trás-os-Montes, ou uma linda e grande cidade cosmopolita, capital de um país, mas que sempre nos fala ao coração como se fosse a tal pequenina aldeia.

A dimensão da terra em que nascemos não tem nada a ver com o seu tamanho nem com os milhões de pessoas que lá possam viver... será sempre do tamanho do bocadinho deste mundo que um dia vimos pela primeira vez.

Costumo fazer a pé o percurso da Estação do Comboio até ao local do nosso almoço, na Baixa, percorrendo o passeio ao longo da linha do eléctrico até ao Terreiro do Paço, a parte final da viagem que me trazia do bairro onde nasci, na ponta oriental da cidade, o Poço do Bispo, fim e princípio da linha do eléctrico, quando o condutor desencaixava as manettes do acelerador e travão, saía do carro, puxava a corda ligada ao troley e invertia a posição nos cabos da electricidade que lhe forneciam a energia e o que era a frente do eléctrico passava a ser traseira..., e assim que chegava a hora, lá partia ele para mais uma viagem até ao centro da cidade.

Está inalterado, ou quase, pelo que não preciso de fazer nenhum esforço de imaginação para recuar mais de seis décadas e sentir-me dentro do amarelo da Carris que por vezes passa ao meu lado direito, olhando para o “pica” dos bilhetes, personagem que hoje já não existe, mas que era indispensável naquelas viagens de outrora.


Sinto que a deslocação mensal aos almoços da penúltima 4ª fª de cada mês, começam a ter o sabor de peregrinação aos locais queridos da terra que me viu nascer... e não sei se isso é bom sinal. 

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