Os meus amigos, que um pouco por todo o mundo, visitam o Memórias Futuras com regularidade, sabem que eu já passei dos setenta anos, já lá vão seis primaveras.
Que estive na guerra de Angola, quase que no seu início, há tanto
tempo que já pertenço à história porque os confrontos bélicos ficam sempre
assinalados na vida dos países e dos povos, escritos a sangue.
Uma grande parte desses camaradas não resistiu à passagem dos anos
e agora, por muitas chamadas telefónicas que faça para estarem presentes no
almoço anual de confraternização, já não atendem de forma nenhuma.
Por isso, a minha vida, vai enchendo-se de imagens e recordações.
Toda esta conversa para vos dizer o que vocês já sabem: estou velho
e, já agora acrescentar, que não me sinto nada mal sendo velho porque não
conheço outra maneira de continuar vivo, que é uma coisa de que eu gosto, sem
estar ao mesmo tempo velho.
Preservo cada vez mais os meus encontros nos almoços das
penúltimas 4ª feiras de todos os meses com os meus colegas de Curso, a que a
minha neta denomina “almoço dos velhotes”, e até já lhes disse que só não
estarei presente por doença grave incapacitante.
Percebo que estamos a chegar ao fim da corda e nos agarramos todos
uns aos outros para não cair... mas nada disto é dramático, pelo contrário,
sinto-o como uma vitória, uma conqui sta.
Afinal a vida não foi fácil, envolveu riscos, problemas de vária ordem e nós cá
estamos agora para os recordar em amena ou acalorada cavaqueira.
Mas esta história das meias-horas que dá o título a este pequeno
trecho que dedico ao meu colega de Curso Fernando Abreu , já com 81
anos e alguns problemas de saúde, é para mim, simplesmente enervante.
Os meus amigos sabem, aqueles que têm a sorte de estar no meu
segmento de idade, que aqueles sonos de fio a pavio, quando adormecíamos à noite, ao deitar e acordávamos no outro dia para nos espreguiçarmos e abrir os
olhos para um novo dia, são, infelizmente, coisas do passado.
Acordar de noite, sobre a madrugada e ir á casa de banho, ás vezes
de olhos fechados e ás apalpadelas, passaram agora a fazer parte das minhas
aventuras nocturnas.
No outro dia, em conversa com a minha médica, que além de ser mais
nova do que eu, é também uma simpatia porque me ouve com um sorriso nos lábios,
me dizia que também ela, na sua casa, fazia o mesmo percurso de olhos fechados.
Se nos abríssemos todos uns com os outros nestas pequenas coisas
que muitas vezes escondemos ou simplesmente não revelamos, iríamos descobrir
que a velhice, ao reduzir-nos o espaço de acção, nos torna a todos mais iguais.
Eu só não percebo porque é que o relógio de cuco que está no hall
da casa sempre que eu acordo, altas horas da noite para os meus passeios
nocturnos, só bate meias horas e deixa-me sempre na ignorância quanto ao resto... Raio do cuco parece
que faz de propósito!
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