Portugal
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 15
Meu pai e meu tio, que
tinham apenas um ano de diferença e estavam ambos a chegar aos quarenta, faziam
a sua ronda matinal cada um vestido com a sua dalmática, verde a do meu tio,
azul a do meu pai.
Pareciam dois pássaros
exóticos, avançando em pequeninos passos, enquanto iam relembrando os culpados
da desordem cristã.
Afonso I de Aragão; Dona
Urraca; Gelmires, o maligno arcebispo de Compostela; Pedro Froilaz de Trava,
pai de Bermudo e Fernão, e percept or
do futuro herdeiro, Afonso Raimundes. E também Dona Teresa.
- Mas talvez o maior culpado seja Afonso VI –
cocluiu Ermígio Moniz.
O velho imperador, avô de
Afonso Henriques, baralhara tudo com os seus caprichos terminais. Era uma
sombra do gigante que conqui stara
Toledo aos infiéis, o mais grandioso de todos os reis de Leão desde os
visigodos.
As suas decisões
sucessórias, abrupt as e ilógicas,
haviam lançado a confusão na Península.
Ao longo da vida Afonso VI
casara com muitas mulheres, porém elas só lhe davam filhas. Urraca, Teresa e
outras meninas, legítimas ou bastardas, mas nada de meninos.
Teve de ser uma moura
convertida, Zaida, a filha do rei de Sevilha, a deitar cá para fora um rapaz.
Porém, Deus não evita as
desgraças mais cruéis, principalmente a quem as procura.
Sancho, o único filho do
imperador, foi enviado para a guerra à frente das tropas do pai, e morreu, com
apenas treze anos, às mãos deste mesmo califa que agora cerca Coimbra.
Diz-se que Afonso VI ainda
uivava de dor cinco dias depois de lhe darem a notícia. O filho fora
trespassado por uma lança sarracena, em Uclés, e assim partira deste mundo o
único que poderia ter unido cristãos e muçulmanos, pois tinha sangue real dos
dois lados.
Sem varão a quem deixar a
coroa, desfeito de amargura, Afonso VI olhou à volta, para o resto da sua
família. Havia uma primeira filha, Urraca, cujo marido o borgonhês Raimundo, já
morrera.
Tinha dela um neto que era o
primeiro rapaz da linhagem, Afonso Raimundes apenas com quatro anos. Existia um
primo afastado, que reinava em Aragão e se chamava igualmente Afonso. E tinha
uma segunda filha bastarda, dona Teresa, que também era casada com um
burgonhês, o conde Henrique, e que acabara de ser mãe do seu primeiro rapaz,
Afonso Henriques.
- Contra a vontade dos seus conselheiros, o
velho rei desafiou o destino e promoveu uma união arriscada – recordou o pai.
Afonso VI obrigou a filha
viúva, Urraca, a casar com o primo distante, Afonso I de Aragão, e determinou
que o primeiro varão fruto desse casamento seria o futuro imperador da Galiza,
de Leão, de Castela, de Aragão e até de navarra; o rei dos Cinco Reinos e aquele
a quem prestariam tributo as taifas, os pequenos reinos mouros da Ibéria, como
Sevilha, Córdova, Saragoça, Múrcia e Badajoz.
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